sábado, 2 de março de 2024

"Poema de 28 de Maio ao contrário" - Jorge de Sena



Júlio Pomar
(Artista plástico/pintor português, 1926 - 2018), 
O almoço do trolha, c. 1946-50, óleo sobre tela, 120 x 150 cm.
Fundação Calouste Gulbenkian
 
 

Poema de 28 de Maio ao contrário


Gigante foi a luz que acesa se estendeu por sobre as
trevas de um povo prisioneiro.
Ninguém esperava que no primeiro impulso
de um movimento militar se abrissem todas as janelas
e todas as portas. Mas abriram-se e por elas a luz e
as vozes foram restituídas.
Todos agora, exército e povo, os militares e os políticos, e
quantos nunca pensaram que a política é coisa
de todos os dias ter de aprender-se a ver, a falar
e a ouvir, lá onde na caverna
só sombras de fantasmas existiam. 

Todos têm de aprender a governar e a governar-se na alma
e a fazer governo a liberdade e as vozes e o
direito de existir-se à luz do dia
como gente viva num país que é ela.
Todos têm de aprender que a liberdade não existe
apenas porque é dada, pois pode ser tirada, ou
apenas porque é conquistada, pois pode ser
licença em que não reste senão ela perder-se. Têm de
aprender que não pode ter-se num só dia
o que se perdeu em décadas. E que a Justiça
é a Liberdade que pensa mais nos outros que em si mesma.

Santa Bárbara, 28/5/1974

Jorge de Sena, "40 anos de Servidão"
Moraes Editores, Lisboa, 1979.
Prefácio de Mécia de Sena


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