domingo, 26 de outubro de 2025

"Esqueço-me das horas transviadas" - Poema de Fernando Pessoa




Gregorio Prieto (Pintor espanhol, 1897-1992), Jardín de Aranjuez, c. 1919.
 


Esqueço-me das horas transviadas


Esqueço-me das horas transviadas...
O Outono mora mágoas nos outeiros
E põe um roxo vago nos ribeiros...
Hóstia de assombro a alma, e toda estradas...

Aconteceu-me esta paisagem, fadas
De sepulcros a orgíaco... Trigueiros
Os céus da tua face, e os derradeiros
Tons do poente segredam nas arcadas...

No claustro sequestrando a lucidez
Um espasmo apagado em ódio à ânsia
Põe dias de ilhas vistas do convés

No meu cansaço perdido entre os gelos,
E a cor do Outono é um funeral de apelos
Pela estrada da minha dissonância... 

s. d.

Fernando Pessoa
, «Passos da Cruz», Poesias.
(Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.)
Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995). - 33.



Gregorio Prieto, Luis Cernuda en un jardín inglés, 1937-1940


"Deus, que nos fizeste mortais, porque é que nos deste a sede de eternidade de que é feito o poeta?"
 
Luis Cernuda, do poema, "Las ruinas"

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