quinta-feira, 2 de outubro de 2025

"Quem pudera, Cecília!" - Poema de Fernanda de Castro


 
Alfredo de Morais  (Ilustrador português, 1872-1971), "Uma Desfolhada no Minho", s.d.


Quem pudera, Cecília!


Tenho fome de campo e de verdura,
De terra bem lavrada,
E sede, muita sede de água pura.

Quero pegar no cabo de uma enxada,
Quero cheirar os troncos e as raízes,
Pisar, descalça, a terra ainda molhada,
Ver, nas noites, o rasto das perdizes.

Já Cecília Meireles o dizia,
Com imenso carinho:
“Portugal não tem campo, tem campinho.”
E ria, ria,
Rasgando as mãos nas silvas,
Comendo amoras, colhendo malmequeres, madressilvas.

Tinhas razão, Cecília.
Em Portugal, as estações são festas,
São festas de família,
Enfiadas, colares de alegrias;
Na Primavera as flores;
Os frutos no Verão, e as romarias;
No Outono o vinho novo e o ritual
Profano das vindimas;
No Inverno,
A mística alegria do Natal,
As portas bem fechadas,
A lenha a crepitar
E as rabanadas.

Quem pudera, Cecília, quem pudera,
Mandar-te para lá, para onde estás,
Um raminho da nossa Primavera.


Fernanda de Castro, in Colóquio Letras, 1987,
p. 94. - N.º 100. Lisboa : F.C.G. 

["Quem pudera, Cecília!" é um poema de Fernanda de Castro (1900–1994) que homenageia a poetisa brasileira Cecília Meireles (1901–1964), expressando um desejo de enviar-lhe um presente simbólico de Portugal e elogiando sua conexão com as tradições e a simplicidade do campo português. A obra surge após a morte de Cecília Meireles, demonstrando a forte ligação entre as duas poetisas e a admiração da poeta portuguesa pela brasileira.] 
 
 

Alfredo de Morais, "Dança minhota - o Vira", s.d.
 

"Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa. 
Não sou alegre nem triste: sou poeta."


Cecília Meireles
, do poema "Motivo"
 

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