Ditlev Blunck (Danish-German painter, 1798–1853), Danish artists at the Osteria La Gensola
in Rome, 1837 (version II), Thorvaldsen Museum.
Final
Foram criadas por mim estas palavras
com o meu sangue e com as dores minhas
foram criadas!
Tudo eu compreendo, amigos, eu compreendo tudo.
Misturaram-se vozes alheias às minhas,
tudo eu compreendo, amigos!
Como se voar eu quisesse e me chegassem
para me ajudar as asas das aves,
todas as asas,
assim vieram as palavras estrangeiras
desatar a ebriedade escura de minha alma.
É manhã, e parece
que não se me apertaram as angústias
em tão terríveis nós em torno da garganta.
E no entanto,
foram criadas,
com o meu sangue e com as dores minhas,
foram criadas por mim estas palavras!
Palavras para alegria
quando era meu coração
uma coroa de chamas
palavras de dor que penetra,
e dos instintos que remordem,
e dos impulsos que ameaçam,
e dos infinitos desejos,
e das inquietudes amargas,
palavras de amor que em minha vida florescem
como terra roxa cheia de umbelas brancas.
Não caiam em mim, nunca couberam.
Menino minha dor foi grito,
foi minha alegria silêncio.
Depois os olhos
esqueceram as lágrimas
do coração de todos varridos no vento.
Agora, digam-me, amigos,
onde esconder aquela aguda
fúria de soluços.
Diga-me, amigos, onde
esconder o silêncio para que ninguém
nunca o sentisse com os ouvidos ou olhos.
As palavras vieram e meu coração,
incontido como um amanhecer,
rompeu-se nas palavras, no apego do voo,
e em suas fugas heróicas o levam e arrastam,
adandonando e louco, e esquecido sob elas
como um pássaro morto, embaixo de suas asas.
1923
Pablo Neruda, em "Crepusculário".
[Tradução de José Eduardo Degrazia]
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