Quase um madrigal
O girassol se verga para o oeste
e já se afunda o dia no seu olho
em ruína e o ar de verão se adensa
e já encurva a folhagem e a fumaça
dos canteiros de obras. Afasta-se com o seco
fluir das nuvens e estrilar de raios
este último truque do céu. Outra vez,
como há anos, amiga, contemplamos
o cambiar das árvores espremidas
nos Navigli. Mas sempre é nosso o dia
e sempre o mesmo sol que se despede
com o fio de seu raio afetuoso.
Não tenho mais lembranças, nem as desejo;
toda memória se remonta à morte,
a vida não se acaba. Cada dia
é nosso. Um se fechará para sempre
e tu comigo, quando já for tarde.
Aqui no cais de pedra do canal,
como crianças, balançando os pés,
olhamos a água, os primeiros galhos
cujo verde no fundo se escurece.
E o homem que em silencio se aproxima
não esconde uma faca em suas mãos
mas uma flor de gerânio.
Salvatore Quasimodo, Poesias
Tradução de Geraldo Holanda Cavalcanti
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