terça-feira, 5 de abril de 2022

"A Matança" - Poema de A. M. Pires Cabral


John Steuart Curry (American painter, 1897-1946) The Stockman, 1929, 
Whitney Museum of American Art, New York (Regionalism)


 
A Matança
 
 
Não penses
que a carne apenas é aquela oca
lívida carcaça
em imóvel galope alucinado,
embarrada numa trave da adega.

Não penses
que o milagre anual da salgadeira
vem sem morte e sem trabalhos. Não:

Contar-te-ei
que primeiro atam o porco em sua loja
com uma corda em torno do focinho
e o arrastam à força para o ar lavado e frio.

Contar-te-ei
que o porco luta e resiste: ora sentado
sobre os quartos traseiros (os futuros presuntos),
ora comicamente no solo as quatro patas
fincando com bravura se defende
da mal-agourada violação. Por fim, cedendo,
colocam-no, ainda contrafeito,
entre roncos, bufos e sacões,
no banco, deitado sobre o lado,
por forma a expor o vulnerável,
comestível coração.

Contar-te-ei
que quando a faca penetra nas entranhas,
qual punhal vingador de antiga fome,
o grito é tal, tão desolado e aflito,
tão humano, tão digno de compaixão,
tão de criatura insultada e indefesa -
que tenho de tapar a mãos ambas os ouvidos
e recuar para os fundos da casa,
onde o rumor mal chegue. Ainda assim,
a voz implorativa é uma cascata,
uma cascata lenta e descendente,
em que o animal se esvai.
Quando calado - o sangue
jorrando impetuoso no alguidar -
é sinal que
                               o porco é morto:
                                                       viva o porco! 


A. M. Pires Cabral
,
 in Algures a Nordeste (poesia, 1974). Catálogo de Feios, Simples e Humildes.  
Macedo de Cavaleiros: Edição de Autor
 
['A Matança' de A. M. Pires Cabral: Poema para reflexão.]
 


A. M. Pires Cabral


António Manuel Pires Cabral, escritor português, nasceu em 1941, em Chacim, Macedo de Cavaleiros. Licenciado em Filologia Germânica pela Universidade de Coimbra, além da atividade docente no ensino secundário, foi responsável pelo pelouro da Cultura na Câmara Municipal de Vila Real.
A sua produção literária abrange os domínios do drama e da ficção, com especial destaque para a poesia que, ressentindo-se inicialmente da sua implantação transmontana, tem uma acentuada tendência para o diálogo intertextual nas últimas publicações. 
Autor de numerosos textos teatrais e antologias, sobretudo escolares, interessa-se principalmente pela problemática do Nordeste português, quer na vertente humana quer na paisagistíca, evocando por vezes motivos ou ambientes neorrealistas.
Em 1983 ganhou o Prémio Literário do Círculo de Leitores, com o romance Sancirilo, e em 2006 o Prémio D. Dinis, da Fundação Casa de Mateus, Vila Real. (Daqui)
 

"Feliz seria a terra se todos os seres estivessem unidos pelos laços da benevolência e só se alimentassem de alimentos puros, sem derrame de sangue. Os dourados grãos que nascem para todos dariam para alimentar e dar fartura ao mundo." - Sidarta Gautama (Buda)
 
 
 
 
"Se um ser sofre, não pode existir justificativa moral para alguém se recusar a levar esse sofrimento em consideração. Não importa a natureza do ser, o princípio de igualdade requer que seu sofrimento seja considerado igual ao sofrimento semelhante de qualquer outro ser." - Jeremy Bentham
 
 
 

Jeremy Bentham, filósofo inglês, nasceu a 15 de fevereiro de 1748, em Londres, e morreu a 6 de junho de 1832, na mesma cidade. Estudou no Colégio de Westminster e na Universidade de Oxford. Exerceu, durante pouco tempo, advocacia, a qual abandonou, descontente com a injustiça com que aí deparou.
Este filósofo preocupou-se sobretudo com a filosofia do direito e a filosofia moral. Para Bentham, a moral baseia-se na noção de utilidade, segundo a qual uma ação é moralmente boa ou má dependendo de ser útil ou não ao maior número possível de pessoas. O "princípio da utilidade" deve servir para conduzir, tanto o indivíduo em particular como a sociedade em geral, à felicidade, que equivale, no entender de Bentham, ao prazer. Aquele que transgrida ou agrida a felicidade do outro deve ser punido, correspondendo o castigo à aplicação de sofrimento.
O homem só age se tiver nisso um interesse, que, segundo a conceção de Bentham, se liga intimamente aos interesses dos outros homens. As ações humanas voluntárias têm como elemento constitutivo a racionalidade e as ações boas são sempre objeto de prazer, assim como as más são objeto de dor.
Todo o pensamento de Bentham se dirige para a ação prática política visando o bem do homem e tendo como objetivo a reforma do sistema jurídico. (daqui)









































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