segunda-feira, 22 de agosto de 2022

"Poema da minha esperança" - Sebastião da Gama


Jules Migonney (French painter and engraver, 1876-1929), Portrait of the painter, Jean Puy 
(French Fauvist artist, 1876-1960), 1910


Poema da minha esperança 


Que bom ter o relógio adiantado!...
A gente assim, por saber
que tem sempre tempo a mais,
não se rala nem se apressa.

O meu sorriso de troça,
Amigos!,
quando vejo o meu relógio
com três quartos de hora a mais!...

Tic-tac... Tic-tac...
(Lá pensa ele
que é já o fim dos meus dias.)

Tic-tac...
(Como eu rio, cá p'ra dentro,
de esta coisa divertida:
ele a julgar que é já o resto
e eu a saber que tenho sempre mais
três quartos de hora de vida.) 


Sebastião da Gama
, in Serra-Mãe (1945)
 
 

Sebastião da Gama


Sebastião da Gama (Vila Nogueira de Azeitão, 10 de abril de 1924 — Lisboa, 7 de fevereiro de 1952), licenciado em Filologia Românica pela Universidade de Lisboa, exerceu a função de professor do ensino técnico. Morreu com 27 anos, vítima de uma tuberculose que se declarara desde criança.
 
Colaborador de Távola Redonda (50-54), estreou-se em volume em 1945 com Serra-Mãe, exercendo para os que procuravam, como David Mourão-Ferreira ou António Manuel Couto Viana, no fim da década de 40 e início da década de 50, um exemplo de superação da oposição entre necessidade de empenhamento versus liberdade de criação em que se debatia a poesia, marcada ainda pela polémica entre presencistas e neorrealistas. Em carta a David Mourão-Ferreira, em 1946, defende que "a arte é a vida, nos seus matizes múltiplos, posta em beleza, não a política, não a religião, não a moral postas em beleza; que o artista verdadeiro apenas responde às vozes que chamam dentro de si - o que não quer dizer que essas vozes não tenham sido caldeadas em muitas vozes exteriores." (cf. MOURÃO-FERREIRA, David - 20 Poetas Contemporâneos, 1980, p. 232).
 
Poeta marcado pela consciência de que a sua vida seria efémera, a poesia de Sebastião da Gama descreve uma lúcida aprendizagem da morte, não como desistência e desalento, mas como confiança na vida ("Foi necessário ter perdido tudo/ para chegar à perfeição enorme/ de não poder perder a confiança" in Itinerário Paralelo), manifestada na exaltação da Natureza e de Deus
Herdeiro de Régio na expressão da inquietação religiosa, resolve o maniqueísmo do fundador da Presença, num apaziguamento que nasce da entrega do sujeito poético a uma Natureza que é, na tradição franciscana, um "sinal da Beleza de Deus incarnada nas coisas" (Belchior, pref. a Gama, 1983, p. 26). (Daqui)
 


O primeiro livro publicado por Sebastião da Gama, Serra-Mãe, reúne uma série de composições que tendem para a regularidade métrica, inspiradas pela permanência no Portinho da Arrábida, local propiciador do recolhimento poético e da celebração mística da Natureza. O próprio título sugere, como chave de leitura, a fusão do humano com a Natureza, a fraternidade de todos os seres franciscanamente abrigados pela Natureza-mãe, e aponta a serra como regaço maternal onde o poeta se refugia para recobrar tranquilidade e confiança. A par dessa linha de leitura composta pela exaltação da religiosidade da Natureza, desenvolvem-se composições onde a temática da morte iminente é sentida não sob o signo da desesperança, mas como o desfecho precoce de uma vida plenamente vivida ("Que a Morte, quando vier,/ não venha matar um morto./ Quero morrer em pujança./ Quero que todos lamentem / a ceifa de uma esperança", de "Cortina"; "De minha vida não sei/ senão que sou feliz", de "Claridade"). Reformulando a tradição lírica de Régio e de Sá-Carneiro, esta obra inaugural acolhe ainda poemas marcados pelo diálogo com Deus, onde a inquietação religiosa exprime, por vezes, a revolta e o pânico de perder a dádiva da presença divina ("não me roubes a Tua Mão, Senhor," de "Oração de Todas as Horas") e versos que reformulam, sobretudo na secção "Presença" de Serra-Mãe, o tema modernista de desdobramento do sujeito poético, num conflito entre o eu que se evade, confundido com a vida da massa vulgar e distraída, e o eu imbuído do sentimento de cumprir uma missão ideal. (Daqui)


"Recanto de Praia" por António Carvalho da Silva (Silva Porto). Um retrato da praia do Portinho da Arrábida.
 

"Aqui estou novamente na Arrábida, a firmar as forças e cheio de confiança, de serenidade, de sonho. Cabo da Boa Esperança!"

Sebastião da Gama, in Diário (p. 360) (daqui)
 
 
 Retrato fotográfico de  Silva Porto por Arthur Benarus (1861-1926).
Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves
 

 Silva Porto
(Porto, 1850 - Lisboa, 1893)

A Natureza é a maior fonte de inspiração deste pintor de paisagens vivas, cujos quadros cedo causam sensação. Silva Porto compõe imagens do mundo rural, com uma luz e cor quase fotográficas. Ramalho Ortigão chamou-lhe "o Garrett da pintura portuguesa."

Estudou muito para ser o grande pintor que foi, reconhecido e aclamado “Divino Mestre” pelos companheiros, os melhores valores da nova geração da segunda metade do século XIX que, com ele na liderança, fundaram o Grupo do Leão, uma tertúlia de artistas e intelectuais  imortalizada no célebre quadro de Columbano Bordalo Pinheiro. O Grupo, que mais tarde deu lugar ao Grémio Artístico, mobilizava-se para divulgar a pintura do Naturalismo em Portugal. Várias exposições foram então organizadas, na primeira, em 1881, Silva Porto apresenta-se com mais de 20 óleos inspirados na natureza.

De personalidade reservada, este pintor nascido no Porto em 1850, aventura-se na sua formação. Depois de completar o curso na Academia Portuense de Belas-Artes, é bolseiro em Paris, estuda com os consagrados Yvon, Cabanel, Beauverie e Groseillez. Neste período conhece a Escola de Brabizon de Pintura ao Ar Livre onde, sob a orientação do mestre Daubigny, experimenta a pintura de paisagens no local, influência que ficará para sempre. Os trabalhos que produz são expostos no “Salon” e na Exposição Universal com aplausos da crítica. Completa a aprendizagem artística em Itália, onde pintou típicas figuras femininas como “Fiandeira Napolitana”. A seguir, viaja pela Europa para conhecer de perto as obras de grandes paisagistas.

Quando regressa a Portugal, com menos de 30 anos, Silva Porto já não é um desconhecido. Os quadros de grande riqueza cromática que fora enviando para a pátria, tinham sido recebidos com entusiasmo. É então convidado para reger a cadeira de Pintura de Paisagem na Academia de Belas-Artes de Lisboa. Porém, a consagração do jovem artista será inquestionável no dia em que o rei D. Fernando lhe compra o quadro “A Charneca de Belas” por 300 reis. Foi na Exposição da Sociedade Promotora de Belas-Artes, uma das muitas em que participa com medalhas de ouro e prata e valorosas distinções.

A pintura de Silva Porto é muito portuguesa, exaltante das terras e dos costumes, em cores generosas e luminosas. “A condução do rebanho”, “A salmeja”, “Seara”, “Ceifeiras”, são apenas alguns títulos de uma extensa lista, acervo de vários museus nacionais. O pintor, que escolheu ter o nome da sua terra natal no apelido, foi o pintor de todo um país. (Daqui)

 

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