(French Fauvist artist, 1876-1960), 1910
Poema da minha esperança
Que bom ter o relógio adiantado!...
A gente assim, por saber
que tem sempre tempo a mais,
não se rala nem se apressa.
O meu sorriso de troça,
Amigos!,
quando vejo o meu relógio
com três quartos de hora a mais!...
Tic-tac... Tic-tac...
(Lá pensa ele
que é já o fim dos meus dias.)
Tic-tac...
(Como eu rio, cá p'ra dentro,
de esta coisa divertida:
ele a julgar que é já o resto
e eu a saber que tenho sempre mais
três quartos de hora de vida.)
Sebastião da Gama
Sebastião da Gama (Vila Nogueira de Azeitão, 10 de abril de 1924 — Lisboa, 7 de fevereiro de 1952), licenciado em Filologia Românica pela Universidade de Lisboa, exerceu a função de professor do ensino técnico. Morreu com 27 anos, vítima de uma tuberculose que se declarara desde criança.
Colaborador de
Távola Redonda (50-54), estreou-se em volume em 1945 com
Serra-Mãe,
exercendo para os que procuravam, como
David Mourão-Ferreira ou
António Manuel Couto Viana, no fim da década de 40 e início da década de 50, um
exemplo de superação da oposição entre necessidade de empenhamento
versus liberdade de criação em que se debatia a poesia, marcada ainda
pela polémica entre presencistas e neorrealistas. Em carta a David Mourão-Ferreira,
em 1946, defende que
"a arte é a vida, nos seus matizes múltiplos,
posta em beleza, não a política, não a religião, não a moral postas em
beleza; que o artista verdadeiro apenas responde às vozes que chamam
dentro de si - o que não quer dizer que essas vozes não tenham sido
caldeadas em muitas vozes exteriores." (cf. MOURÃO-FERREIRA,
David -
20 Poetas Contemporâneos,
1980, p. 232).
Poeta marcado pela consciência de que a sua vida seria
efémera, a poesia de Sebastião da Gama descreve uma lúcida aprendizagem
da morte, não como desistência e desalento, mas como confiança na vida
(
"Foi necessário ter perdido tudo/ para chegar à perfeição enorme/ de
não poder perder a confiança" in
Itinerário Paralelo), manifestada na exaltação da Natureza e de
Deus.
Herdeiro de
Régio na expressão da inquietação religiosa, resolve o maniqueísmo do fundador da
Presença,
num apaziguamento que nasce da entrega do sujeito poético a uma
Natureza que é, na tradição franciscana, um "sinal da Beleza de Deus
incarnada nas coisas" (Belchior, pref. a Gama, 1983, p. 26).
(Daqui)
O primeiro livro publicado por
Sebastião da Gama,
Serra-Mãe,
reúne uma série de composições que tendem para a regularidade métrica,
inspiradas pela permanência no
Portinho da Arrábida, local propiciador
do recolhimento poético e da celebração mística da Natureza. O próprio
título sugere, como chave de leitura, a fusão do humano com a Natureza, a
fraternidade de todos os seres franciscanamente abrigados pela
Natureza-mãe, e aponta a serra como regaço maternal onde o poeta se
refugia para recobrar tranquilidade e confiança. A par dessa linha de
leitura composta pela exaltação da religiosidade da Natureza,
desenvolvem-se composições onde a temática da morte iminente é sentida
não sob o signo da desesperança, mas como o desfecho precoce de uma vida
plenamente vivida (
"Que a Morte, quando vier,/ não venha matar um
morto./ Quero morrer em pujança./ Quero que todos lamentem / a ceifa de
uma esperança", de
"Cortina";
"De minha vida não sei/ senão que sou
feliz", de
"Claridade"). Reformulando a tradição lírica de Régio e de
Sá-Carneiro, esta obra inaugural acolhe ainda poemas marcados pelo
diálogo com Deus, onde a inquietação religiosa exprime, por vezes, a
revolta e o pânico de perder a dádiva da presença divina (
"não me roubes
a Tua Mão, Senhor," de
"Oração de Todas as Horas") e versos que
reformulam, sobretudo na secção
"Presença" de
Serra-Mãe,
o tema modernista de desdobramento do sujeito poético, num conflito
entre o eu que se evade, confundido com a vida da massa vulgar e
distraída, e o eu imbuído do sentimento de cumprir uma missão ideal.
(Daqui)
"Aqui estou novamente na Arrábida, a firmar as forças e cheio de confiança, de serenidade, de sonho. Cabo da Boa Esperança!"Sebastião da Gama, in Diário (p. 360) (daqui)
Silva Porto
(Porto, 1850 - Lisboa, 1893)
A Natureza é a maior fonte de inspiração deste
pintor de paisagens vivas, cujos quadros cedo causam sensação. Silva
Porto compõe imagens do mundo rural, com uma luz e cor quase
fotográficas. Ramalho Ortigão chamou-lhe "o Garrett da pintura
portuguesa."
Estudou muito para ser o grande
pintor que foi, reconhecido e aclamado “Divino Mestre” pelos
companheiros, os melhores valores da nova geração da segunda metade do
século XIX que, com ele na liderança, fundaram o Grupo do Leão, uma
tertúlia de artistas e intelectuais imortalizada no célebre quadro de
Columbano Bordalo Pinheiro. O Grupo, que mais tarde deu lugar ao Grémio
Artístico, mobilizava-se para divulgar a pintura do Naturalismo em
Portugal. Várias exposições foram então organizadas, na primeira, em
1881, Silva Porto apresenta-se com mais de 20 óleos inspirados na
natureza.
De personalidade reservada, este pintor nascido no Porto
em 1850, aventura-se na sua formação. Depois de completar o curso na
Academia Portuense de Belas-Artes, é bolseiro em Paris, estuda com os
consagrados Yvon, Cabanel, Beauverie e Groseillez. Neste período conhece
a Escola de Brabizon de Pintura ao Ar Livre onde, sob a orientação do
mestre Daubigny, experimenta a pintura de paisagens no local, influência
que ficará para sempre. Os trabalhos que produz são expostos no “Salon”
e na Exposição Universal com aplausos da crítica. Completa a
aprendizagem artística em Itália, onde pintou típicas figuras femininas
como “Fiandeira Napolitana”. A seguir, viaja pela Europa para conhecer
de perto as obras de grandes paisagistas.
Quando regressa a Portugal, com menos de 30 anos, Silva Porto já não é
um desconhecido. Os quadros de grande riqueza cromática que fora
enviando para a pátria, tinham sido recebidos com entusiasmo. É então
convidado para reger a cadeira de Pintura de Paisagem na Academia de
Belas-Artes de Lisboa. Porém, a consagração do jovem artista será
inquestionável no dia em que o rei D. Fernando lhe compra o quadro “A
Charneca de Belas” por 300 reis. Foi na Exposição da Sociedade
Promotora de Belas-Artes, uma das muitas em que participa com medalhas
de ouro e prata e valorosas distinções.
A pintura de Silva Porto é muito portuguesa, exaltante
das terras e dos costumes, em cores generosas e luminosas. “A condução
do rebanho”, “A salmeja”, “Seara”, “Ceifeiras”, são apenas alguns
títulos de uma extensa lista, acervo de vários museus nacionais. O
pintor, que escolheu ter o nome da sua terra natal no apelido, foi o
pintor de todo um país. (Daqui)
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