sexta-feira, 1 de setembro de 2023

"Vindima" - Poema de Miguel Torga


Manuel dos Santos Castro (Artista plástico português que se destacou
na pintura
naïf, n. 1945), Vinha na latada, 2008.



Vindima 

 
Mosto, descantes e um rumor de passos
Na terra recalcada dos vinhedos.
Um fermentar de forças e cansaços
Em altas confidências e segredos.

Laivos de sangue nos poentes baços.
Doçura quente em corações azedos.
E, sobretudo, pés, olhos e braços
Alegres como peças de brinquedos.

Fim de parto ou de vida, ninguém sabe
A medida precisa que lhe cabe
No tempo, na alegria e na tristeza.

Rasgam-se os véus do sonho e da desgraça.
Ergue-se em cheio a taça
À própria confusão da natureza. 


Miguel Torga
, in "Libertação", 1944
 
 
Manuel Castro, Vindima, 2008
 
 
Manuel Castro, Transporte das Uvas, 2007
 

Manuel Castro, Vindima na Bairrada, 2006

 
Manuel Castro, Pisar as Uvas, 2004
 
 
«... De aí a nada, arregaçados, os homens iam esmagando os cachos, num movimento onde havia qualquer coisa de coito, de quente e sensual violação. Doirados, negros, roxos, amarelos, azuis, os bagos eram acenos de olhos lascivos numa cama de amor. E como falos gigantescos, as pernas dos pisadores rasgavam mácula e carinhosamente a virgindade túmida e feminina das uvas. A princípio, a pele branca das coxas, lisa e morna, deixava escorrer os salpicos de mosto sem se tingir. Mas com a continuação ia tomando a cor roxa, cada vez mais carregada, do moreto, do sousão,da tinta carvalha, da touriga e do bastardo.
A primeira violação tirava apenas a cada cacho a flor de uma integridade fechada. Era o corte. Depois, os êmbolos iam mais fundo, rasgavam mais, esmagavam com redobrada sensualidade, e o mosto ensanguentava-se e cobria-se de uma espuma leve de volúpia. À tona, a roçá-los como talismãs, passeavam então volumosos e verdadeiros sexos dos pisadores, repousados mas vivos dentro das ceroulas de tomentos…» 
 
 Miguel Torga, Excerto do livro "As vindimas" (daqui)
 
 
 
 "Vindima" de Miguel Torga. 
Editor: Dom Quixote, 2011 
 
 
Sinopse
 
O primeiro romance de Miguel Torga é uma homenagem ao Douro, às suas gentes e às suas paisagens. Um livro para todos os que amam esta extraordinária região. 

«Cingido à realidade humana do momento, romanceei um Doiro atribulado, de classes, injustiças, suor e miséria. E esse Doiro, felizmente, está em vias de mudar. Não tanto como o querem fazer acreditar certas más consciências, mas, enfim, em muitos aspetos, é sensivelmente diferente do que descrevi. Desapareceram os patrões tirânicos, as cardenhas degradantes, os salários de fome. As rogas descem da montanha de camioneta, a alimentação melhorou, o trabalho é menos duro. Também o rio já não tem cachões, afogados em albufeiras de calmaria. E, contudo, julgo sinceramente que não cansarás ingloriamente os olhos na contemplação do painel que pintei.» — Miguel Torga, 1988 (daqui)

 
Manuel Castro, Transporte do Vinho, 2005
 

"Uma das desvantagens do vinho é dar palavras aos pensamentos."

Samuel Johnson
(17091784),
Citado em The Life of Samuel Johnson, LL.DComprehending an Account.
In Two Volumes, Volume 1, - página 250James Boswell - Henry Baldwin, 1791. 
 
 
Manuel Castro, Festa do Vinho, 2009
 
 
"Enquanto está na garrafa, o vinho é meu escravo; fora da garrafa, sou escravo dele." 
 
Juan Luis Vives (14921540),
Citado em "Vinhos‎" - Página 204, de Sérgio de Paula Santos,
T.A. Queiroz, Editor, 1982
 

Manuel Castro, Festa do Vinho, 2009
 

"A penicilina cura os homens, mas é o vinho que os torna felizes."
 
Alexander Fleming
(1881–1955),
Citado em The Frugal Gourmet Cooks with Wine - página 82,
por Jeff Smith, publicado por Morrow, 1986.

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