Beda Stjernschantz (Finnish symbolist painter, 1867- 1910), Lasinpuhaltajat
(Sopradores de vidro), 1894, K. H. Renlund art collection.
Fábrica
Oh, a poesia de tudo o que é geométrico
e perfeito,
a beleza nova dos maquinismos,
a força secreta das peças
sob o contacto frio e liso dos metais,
a segura confiança
do saber-se que é assim e assim exatamente,
sem lugar a enganos,
tudo matemático e harmónico,
sem nenhum imprevisto, sem nenhuma ventura
como na cabeça do engenheiro.
Os operários têm nos músculos, de cor,
os movimentos dia a dia repetidos:
é como se fossem da sua natureza,
longe de toda a vontade e de todo o pensamento;
como se os metais fossem carne do corpo
e as veias se abrissem
àquela vida estranha, dura, implacável
das máquinas.
Os motores de tantos mil cavalos
alinhados e seguros de si,
seguros do seu poder;
as articulações subtis das bielas,
o enlace justo das engrenagens:
a fábrica, todo um imenso corpo de movimentos
concordantes, dependentes, necessários.
Joaquim Namorado, in Aviso à Navegação, 1941
" Aviso à Navegação": poemas, por Joaquim Namorado
Coimbra: Tip. Atlântica, 1941,
Novo Cancioneiro
Coimbra: Tip. Atlântica, 1941,
Novo Cancioneiro
Aviso à Navegação
Joaquim Namorado
Joaquim Namorado
Livro de Joaquim Namorado editado em 1941 pela coleção Novo Cancioneiro,
órgão de afirmação, no início dos anos 40, de uma estética poética
neorrealista.
A primeira série poética da obra, intitulada "Navegação à
Vela", contém o poema que dá título à obra, "Aviso à Navegação", que, na
sequência de um conjunto de composições construídas a partir da
oposição metafórica entre a partida para a aventura e a calma dos
portos, se assume como voz de incitamento à revolta: "Aviso à
navegação:/ Não espereis de mim a paz!// [...] Que na guerra/ só conheço
dois destinos:/ ou vencer - ai dos vencidos! -/ ou morrer sob os
escombros/ da luta que alevantei!".
O "aviso" deixado pelo sujeito
poético, anunciando o seu compromisso existencial, não é um gesto
heroico individual: o poeta é um dos amotinados de uma tripulação que
apresenta como "manifesto" a promessa de não desistir, mesmo que o preço
seja a vida: "Que não adormeçam os músculos dos nossos braços na
modorra das/ calmarias! Que não afrouxe este espírito de guerra que nos
trouxe!/ E chegaremos./ Grandes escolhos?!... Grandes Medos?!... Grandes
tormentos?!.../ Maior grandeza de sacrifício, maior força de nos
excedermos, maior sangue/ frio na manobra! E chegaremos." ("Manifesto
à Tripulação").
A segunda série, "A guerra e a paz", contém alguns dos
poemas mais conhecidos no âmbito de uma primeira fase da estética
neorrealista, como representativos de uma poesia de combate, perpassada
pelo otimismo e confiança numa vitória que só dependerá da adesão do
público aos desafios que lhe são lançados. Por isso as composições
preferem o tom apelativo, propondo coordenadas de ação: "Abre as janelas
para a rua" ("Manifesto"),
"Aguça a tua foice!" ("Segador"), "Ó mocidade, vai para os estádios,/
vai para as oficinas cantando!" ("Exortação"); ao mesmo tempo que
apresentam o sujeito enunciativo como modelo de resistência: ele é dos
que ficam "até ao fim da batalha" ("Três Poemas de Heroísmo"), aquele
que, derrotado, volta "Cem vezes ao combate" ("Vitória"), aquele que
oferece em imolação o seu sangue e os seus ossos como "cimento duma
outra humanidade" ("Prometeu").
Trata-se, acima de tudo, de contribuir para a criação de uma
fraternidade unida num mesmo canto de revolta, de justiça e de
liberdade, uma comunidade onde "Eu e tu" serão "carne do mesmo corpo,/
amor do mesmo amor,/ sangue do mesmo sacrifício!..." ("Cantar de
Amigo").
As séries seguintes alargam o campo de consciencialização a
outros domínios: o do operariado, em "Arquitetura"; o da África
colonizada, em "África",
enquanto "Romance de Federico" exprime o impacto que a Guerra Civil de
Espanha e o assassinato do poeta Federico Garcia Lorca exerceram sobre o
poeta. (daqui)
Joaquim Namorado
Licenciado
em Ciências Matemáticas pela Universidade de Coimbra, desenvolveu
atividade docente no ensino secundário e, após o 25 de abril, no ensino
superior.
Sendo um dos iniciadores e teóricos do movimento neorrealista,
colaborou nos Cadernos da Juventude, nas revistas Altitude, Seara Nova, Vértice, nos jornais O Diabo e Sol Nascente e editou na coletânea de poesia Novo Cancioneiro a sua primeira obra poética, Aviso à Navegação.
Militante do Partido Comunista desde os anos 30, toda a ação de Joaquim
Namorado, poética, ensaística, doutrinária ou cultural, se desenvolve a
partir do reconhecimento do papel do intelectual na divulgação da
cultura enquanto instrumento de consciencialização do povo, dotando-o de
apetrechos para se elevar e, consequentemente, se libertar
politicamente. O processo artístico que serviria melhor este processo de
transformação ideológica encontra numa arte realista e de intenção
social a forma mais apropriada para uma comunicabilidade imediata,
contraposta a expressões estéticas consideradas de crise e de confusão
de valores, como certos ismos da arte contemporânea, como o futurismo da geração de Orpheu
ou o modernismo presencista. A "Arte para o Povo" não se confunde,
porém, com uma "arte popular" que vê no folclore uma via de evasão, de
pitoresco e de primitivismo, mas corresponde, sob o modelo de Lorca, a
uma "poesia de resistência", "meio de conhecer e atingir as verdadeiras
raízes do popular, o seu carácter autêntico, a sua conceção da vida e do
mundo, os seus anseios e a sua luta" (Namorado, Vértice,
n.° 48, 1947).
A criação poética, atenta à natureza e ao Homem,
concebida como expressão natural e sincera de uma existência que não é
necessário explicar, é para Joaquim Namorado assumida como "necessária",
pelo vasto processo de renovação que integra, mas, sobretudo, por aí
ressoarem vozes e verdades imanentes: a voz do mundo "ressoando no meu
ouvido/ como num búzio um mar perdido" (cit. por PITA, A. P. in Vértice, II, 12.91). (daqui)
Akseli Gallen-Kallela (Finnish painter, 1865–1931), Rustic Life, 1887
Fábula
No tempo em que os animais falavam...
Liberdade!
Igualdade!
Fraternidade!
Liberdade!
Igualdade!
Fraternidade!
Akseli Gallen-Kallela, Woman Cooking Whitefish (Woman grilling fish), 1884,
Finnish National Gallery
Finnish National Gallery
Milagre
Onde o santo punha o pé nasciam rosas
... e o povo lamentava
que não fizesse o mesmo com as batatas.
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