sábado, 9 de dezembro de 2023

"Telha de vidro" - Poema de Rachel de Queiroz

 

Alfredo Vieira
 (Artista plástico brasileiro, n. 1969), "Entre Folhas", óleo sobre tela, 2023.
 
 

Telha de vidro



Quando a moça da cidade chegou
veio morar na fazenda,
na casa velha...
Tão velha!
Quem fez aquela casa foi o bisavô...
Deram-lhe para dormir a camarinha,
uma alcova sem luzes, tão escura!
mergulhada na tristura
de sua treva e de sua única portinha...

A moça não disse nada,
mas mandou buscar na cidade
uma telha de vidro...
Queria que ficasse iluminada
sua camarinha sem claridade...

Agora,
o quarto onde ela mora
é o quarto mais alegre da fazenda,
tão claro que, ao meio dia, aparece uma
renda de arabesco de sol nos ladrilhos
vermelhos,
que - coitados - tão velhos
só hoje é que conhecem a luz doa dia...
A luz branca e fria
também se mete às vezes pelo clarão
da telha milagrosa...
Ou alguma estrela audaciosa
careteia
no espelho onde a moça se penteia.

Que linda camarinha! Era tão feia!
- Você me disse um dia
que sua vida era toda escuridão
cinzenta,
fria,
sem um luar, sem um clarão...
Por que você na experimenta?
A moça foi tão vem sucedida...
Ponha uma telha de vidro em sua vida!


Rachel de Queiroz
 
 
Alfredo Vieira, "Chegada na Roça", óleo sobre tela, 2023.


“O povo bom e simples, suas cores vistosas, pelo campo… Tão Brasil!” 

Carlos Drummond de Andrade, Viola de bolso novamente encordada – p. 67,
 Publicado por J. Olympio, 1955 – 125 páginas 
 

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