sexta-feira, 5 de julho de 2024

"Canção à Ausente" - Poema de Pedro Homem de Mello



František Kupka, also known as Frank Kupka or François Kupka
(Czech painter and graphic artist, 1871–1957), Amorpha,
Fugue en deux couleurs (Fugue in Two Colors), 1912
,
oil on canvas, 210 × 200 cm, Národní Galerie.



Canção à Ausente


Para te amar ensaiei os meus lábios...
Deixei de pronunciar palavras duras.
Para te amar ensaiei os meus lábios!

Para tocar-te ensaiei os meus dedos...
Banhei-os na água límpida das fontes.
Para tocar-te ensaiei os meus dedos!

Para te ouvir ensaiei meus ouvidos!
Pus-me a escutar as vozes do silêncio...
Para te ouvir ensaiei meus ouvidos!

E a vida foi passando, foi passando...
E, à força de esperar a tua vinda,
De cada braço fiz mudo cipreste.

A vida foi passando, foi passando...
E nunca mais vieste!


Pedro Homem de Mello, in "Segredo",
Editora: Lello, 1953.
 

quinta-feira, 4 de julho de 2024

"Imagens que passais pela retina" - Poema de Camilo Pessanha


Genco Gulan (Contemporary conceptual artist and theorist, who lives and works
in Istanbul, b. 1969), Self-portrait with 4 eyes, 2011. Oil on Canvas.



Imagens que passais pela retina


Imagens que passais pela retina
Dos meus olhos, porque não vos fixais?
Que passais como a água cristalina
Por uma fonte para nunca mais!...

Ou para o lago escuro onde termina
Vosso curso, silente de juncais,
E o vago medo angustioso domina,
— Porque ides sem mim, não me levais?

Sem vós o que são os meus olhos abertos?
— O espelho inútil, meus olhos pagãos!
Aridez de sucessivos desertos...

Fica, sequer, sombra das minhas mãos,
Flexão casual de meus dedos incertos,
— Estranha sombra em movimentos vãos.


Camilo Pessanha, in 'Clepsidra'
 

quarta-feira, 3 de julho de 2024

"Da Língua à Palavra" - Poema de José Augusto Seabra



Joseph Ducreux
(French painter, 1735–1802), Self-portrait, called 
'La Surprise' (The surprise), 1790s, Nationalmuseum.


Da Língua à Palavra...

                                                                                Ao João Rui de Sousa

Da língua à palavra
segrego um espaço
— istmo, alegria
da voz que refaço.

Saboreio a casca
do som que me morre
junto ao sopro quente
que da boca escorre.

Prolongo a carícia
em ouvidos sábios
que a não desperdicem.
E sofro-a nos lábios.
Dentro recomeça
a luta do sangue
com o pensamento.
E a palavra sangra.


José Augusto Seabra,
em 'A Vida Toda', 1961.


Joseph Ducreux, Self-portrait, called 'Le Silence' (The Silence), 1790s,
 

"É importante cultivar teu poder do silêncio como teu poder da palavra."

"It is as important to cultivate your silence power as it is your word power."


William James, citado em "Touchstones: a book of daily meditations for men‎" -
Página 4, David Spohn, Anonymous - Hazelden Publishing, 1986 - 400 páginas.
 

terça-feira, 2 de julho de 2024

"Labirinto" - Poema de Jorge Luis Borges



Jimmy Ernst
(American painter born in Germany, 1920–1984), Lookscape, 1952.

 

Labirinto 


Não haverá nunca uma porta. Já estás dentro.
E o alcácer abarca o universo
E não tem anverso nem reverso
Não tem extremo muro nem secreto centro.

Não esperes que o rigor do teu caminho
Que fatalmente se bifurca em outro,
Que fatalmente se bifurca em outro,
Terá fim. É de ferro teu destino

Como o juiz. Não creias na investida
Do touro que é um homem cuja estranha
Forma plural dá horror a essa maranha

De interminável pedra entretecida.
Não virá. Nada esperes. Nem te espera
No negro crepúsculo uma fera.


Jorge Luis Borges,
em “Quase Borges: 20 transpoemas e uma entrevista”.
São Paulo: Terracota, 2013.
Traduções de Augusto de Campos.


segunda-feira, 1 de julho de 2024

"A Música das Cores" - Poema de Eugénio Lisboa


Ângelo de Sousa (Escultor, pintor, professor e desenhador
 português, 1938 - 2011), S/título, s.d.


A Música das Cores

                                                          Ao Ângelo

A pintura; às vezes, sabe ser
uma forma de música: sugere,
no fluxo imparável do acontecer,
que a vida pode não acabar. Fere
o centro de nós mesmos. Amacia
e dissolve tensões que a vida impura,
em tantos momentos, cega, nos cria.
Como a música, é boa a pintura.


Eugénio Lisboa
, Matéria Intensa
Lisboa, Instituto Camões, 1999.
 
 
Ângelo de Sousa, S/título, 2009.
 


Ângelo de Sousa, Um ocre, 2006.
 
 
Ângelo de Sousa, S/título, s.d. (Estilo: Hard-edge painting).
 
 
Hard-edge painting
 
Hard-edge painting é um estilo de pintura em que há transições abruptas de cor entre as áreas coloridas, as quais geralmente são de uma única cor. É um estilo relacionado a Op art.

O Hard Edge Painting (pintura com contorno marcado) surgiu em Nova York, adotando o rigor do controle da técnica em função da liberdade sugerida pelo Expressionismo Abstrato. A pintura Hard Edge usa formas simples e contornos rígidos. Os quadros são precisos e frios, como se feitos à máquina. Foi neste estilo de arte que os artistas passaram a usar telas em que seus formatos de triângulos, círculos e outras formas irregulares passaram a tornar-se parte da composição.

O Hard-edge é a pintura em que as transições bruscas são encontradas entre as áreas de cor. Áreas de cor são muitas vezes de uma invariável cor. Transições de cor, muitas vezes ocorrem ao longo de linhas retas, porém as bordas curvilíneas de áreas de cores também são comuns.

O termo foi inventado pelo escritor Jules Langsner em 1959 para descrever o trabalho dos pintores da Califórnia, que, em sua reação às formas ou pintura gestual do expressionismo abstrato, aprovou uma aplicação de pintura impessoal e conscientemente áreas delimitadas de cor com particular nitidez e clareza. Esta abordagem à pintura abstrata se generalizou na década de 1960, embora a Califórnia fosse o centro criativo. (daqui)