terça-feira, 16 de julho de 2024

"Porque" - Poema de Moacyr Félix


Constantin Hansen (Danish Golden Age artist, 1804–1880), A Group of Danish Artists in Rome, 1837.
[Lying on the floor is architect Bindesbøll. From left to right: Constantin Hansen, Martinus Rørbye,
Wilhelm Marstrand, Albert Küchler, Ditlev Blunck and Jørgen Sonne.]
National Gallery of Denmark, Copenhagen.



Porque 
                                            A Márcia e Jorge Vanderley

Porque a poesia nunca está na soma
e sim no tempo que é maior que o tempo
da vida medida entre doze números,
o poeta está solto por dentro dos relógios
e movimenta ponteiros que ninguém vê e onde
o incomensurável brinca
com os raios de sol ou as finas gotas de chuva
sobre o passar das árvores e dos animais e dos homens.

O poeta está livre por dentro dos relógios
e o seu coração ali bate e bate e bate
lado a lado com todas as engrenagens do mundo.
O mistério, no entanto, é o jardineiro do seu sangue
exilado entre palavras que nunca foram proferidas.

Porque a poesia nunca está na soma
o poema tem um tempo próprio e voa
nas raízes do canto em que se asila
o silêncio ou a mais funda esperança
do primeiro homem que sonhou
pendurar uma estrela-d'alva nos roteiros
da infinita sombra em que as horas decidem
nascimento e morte no tempo do homem.

Porque a poesia nunca está na soma
o poeta está livre por dentro dos relógios.
Assim como o morto em suas memórias.


Moacyr Felix, in "Em Nome da Vida", 1981.
 

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