quarta-feira, 10 de setembro de 2025

"Silogismos" - Poema de Ana Luísa Amaral

 

William Mainwaring Palin (English painter and decorative artist, 1862-1947),
Mother and Child, 1899.



Silogismos



A minha filha perguntou-me
o que era para a vida inteira
e eu disse-lhe que era para sempre.

Naturalmente, menti,
mas também os conceitos de infinito
são diferentes: é que ela perguntou depois
o que era para sempre
e eu não podia falar-lhe em universos
paralelos, em conjunções e disjunções
de espaço e tempo,
nem sequer em morte.

A vida inteira é até morrer,
mas eu sabia ser inevitável a questão
seguinte: o que é morrer?

Por isso respondi que para sempre
era assim largo, abri muito os braços,
distraí-a com o jogo que ficara a meio.

(No fim do jogo todo,
disse-me que amanhã
queria estar comigo para a vida inteira.)


Ana Luísa Amaral, in "O Olhar Diagonal das Coisas"



"O Olhar Diagonal das Coisas" de Ana Luísa Amaral
Editor: Assírio & Alvim, 2022


SINOPSE
 
Estes são poemas de precisão, questionamento e de receitas para várias crises: O Olhar Diagonal das Coisas reúne os 17 livros de poesia de Ana Luísa Amaral, trinta anos em verso inaugurados por Minha Senhora de Quê (1990), até ao mais recente Mundo (2021).
 
Metafísico fruto

Um fruto reticente é a saudade:
a pele custosa à faca, olhos como
cavernas onde a faca não chega e

uma arte cirúrgica é precisa.
Não posso permiti-la no caixote
a insistir-me a alma. Por isso

insisto a arte e a minha perícia
em lhe arrancar a pele, os olhos
reticentes de Sibila.

Às fatias depois — tarefa
igual —
 
 

William Mainwaring Palin, Portrait of Nora Allen, 1910.


"Minhas primeiras pátrias foram os livros."

 

Marguerite Yourcenar (1903-1987), 
foto de Bernhard De Grendel, 1982.


Marguerite Yourcenar

Pseudónimo da escritora francesa Marguerite de Crayencour, nascida em 1903, em Bruxelas, Bélgica, e que veio a naturalizar-se norte-americana. A sua mãe, a aristocrata belga Fernande de Cartier, morreu 10 dias após o parto e a jovem Marguerite mudou-se para o norte de França com seu pai, onde permaneceu até 1914, altura em que a Primeira Guerra Mundial obrigou a família a fixar residência em Londres.
Já em Inglaterra, Marguerite aprendeu inglês e iniciou o estudo das línguas clássicas com o seu pai, Michel de Crayencour. Marguerite nunca frequentou a escola, tendo sempre estudado em casa com o pai ou com precetores que lhe proporcionaram uma educação esmerada. O pai, Michel, influenciou-lhe o gosto pela literatura francesa e pela literatura russa, tendo ambos encetado inúmeras viagens pela Europa e pelo Médio e Extremo Oriente durante a juventude da autora.
Aos 16 anos escreveu o seu primeiro livro, Le jardin des chimères (O Jardim das Quimeras), que foi publicado em 1921 numa edição paga pelo próprio pai, sob o pseudónimo "Marg Yourcenar". O apelido "Yourcenar", anagrama de Crayencour, o seu nome de família, foi criado por Marguerite e Michel.
Em 1926 o pai voltou a casar e a autora mudou-se para a Suíça. Publicou Feux (Fogos) em 1936 e, um ano depois, conheceu Virgínia Woolf com quem colaborou em várias traduções.
Antes de partir para os Estados Unidos publicou Nouvelles orientales (Contos Orientais) do qual fazia parte o conto "A Fuga de Wang-fô". Depois de 10 anos a viver nos Estados Unidos, Marguerite pediu a nacionalidade norte-americana. Frequentou a Universidade de Yale e ensinou literatura francesa no Sarah Lawrence College, em Nova Iorque.
Em 1951 publicou Mémoires d'Hadrien (Memórias de Adriano), fruto de quinze anos de trabalho, a sua obra maior que a tornou internacionalmente conhecida. Este sucesso seria confirmado com L'oeuvre au Noir (A Obra ao Negro), 1968, uma biografia imaginária de um herói do século XVI atraído pelo hermetismo e a ciência. Publicou ainda poemas, ensaios e memórias, manifestando uma atração pela Grécia e pelo misticismo oriental patente em trabalhos como Mishima ou la vision du vide (1981, Mishima ou a Visão do Vazio) e Comme l'eau qui coule (1982, Como a Água que Corre).
Marguerite Yourcenar foi a primeira mulher convidada para a Academia Francesa de Letras, em 1980, tendo ocupado o lugar em janeiro de 1981. A autora faleceu a 17 de dezembro de 1987, nos Estados Unidos, deixando uma marca profunda na literatura de expressão francesa. (daqui)

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