quinta-feira, 28 de novembro de 2013

"A crítica é menos eficaz do que o exemplo" - Texto de Agustina Bessa Luís


Simão César Dórdio Gomes, Paisagem do Douro, 1936

[Simão César Dórdio Gomes ou Dórdio Gomes (Arraiolos, 26 de Julho de 1890 — Porto, 12 de Julho de 1976) foi um pintor modernista português.]


A crítica é menos eficaz do que o exemplo


A crítica é menos eficaz do que o exemplo. É de considerar se a grande sugestão para usar da crítica nos nossos tempos e que põe em causa todos os valores consagrados, não é o resultado duma anemia profunda do ato de vontade de toda uma sociedade. Todos temos consciência de como o exemplo se tornou interdito, como o indivíduo, na sua exceção perturbadora, é causa de mal-estar. Dir-se-ia que a fraqueza, a breve virtude, a mediocridade, de interesses e de condições, têm prioridade sobre o modelo e a utopia. A par desta dimensão rasa do despotismo do demérito, levanta-se uma rajada de violência. É de crer que a violência é hoje a linguagem bastarda da desilusão e o reverso do exemplo; representa a frustração do exemplo. 

Agustina Bessa-Luís, in 'Contemplação Carinhosa da Angústia'


Simão César Dórdio Gomes, O rio Douro, 1935, óleo sobre madeira, 50 x 60 cm 


"A sabedoria suprema é ter sonhos bastante grandes para não se perderem de vista enquanto os perseguimos."

(William Faulkner)




William Cuthbert Faulkner (New Albany (Mississippi), 25 de setembro de 1897 — Byhalia, 6 de julho de 1962) é considerado um dos maiores escritores estadunidenses do século XX. 
 
Recebeu o Nobel de Literatura de 1949. Posteriormente, ganhou o National Book Awards em 1951, por Collected Stories e em 1955, pelo romance Uma Fábula. Foi vencedor de dois prémios Pulitzer, o primeiro em 1955 por Uma Fábula e o segundo em 1962 por Os Desgarrados.
 
Utilizando a técnica do fluxo de consciência, consagrada por James Joyce, Virginia Woolf, Marcel Proust e Thomas Mann, Faulkner narrou a decadência do sul dos Estados Unidos da América, interiorizando-a em seus personagens, a maioria deles vivendo situações desesperadoras no condado imaginário de Yoknapatawpha. Por muitas vezes descrever múltiplos pontos de vista (não raro, simultaneamente) e impor bruscas mudanças de tempo narrativo, a obra faulkneriana é tida como hermética e desafiadora.


"Dir-se-ia que o homem pode aguentar tudo (...),
 até a ideia de que não pode aguentar mais."

(William Faulkner)

domingo, 17 de novembro de 2013

"Só eu Sinto Bater-lhe o Coração" - Poema de Miguel Torga


Jack Tworkov (American abstract expressionist painter, 1900-1982), Untitled, 1954



Só eu sinto bater-lhe o coração


Dorme a vida a meu lado, mas eu velo.
(Alguém há de guardar este tesoiro!)
E, como dorme, afago-lhe o cabelo,
Que mesmo adormecido é fino e loiro.

Só eu sinto bater-lhe o coração,
Vejo que sonha, que sorri, que vive;
Só eu tenho por ela esta paixão
Como nunca hei de ter e nunca tive.

E logo talvez já nem reconheça
Quem zelou esta flor do seu cansaço...
Mas que o dia amanheça
E cubra de poesia o seu regaço!


Miguel Torga, in 'Diário (1946)'



Jack Tworkov, Red Robe, 1947



Jack Tworkov, Portrait of Z. Sharkey



Jack Tworkov, Blue Note, 1959,
Oil on canvas, 79 x 31 3.4 inches,
Private Collection, New York


Bruno Mars - Locked Out Of Heaven



sexta-feira, 8 de novembro de 2013

"Restaurante" - Poema de Yvette Centeno


Jack Tworkov (American abstract expressionist painter, 1900-1982),
Seated Figure (Z. Sharkey)


Restaurante 


Leva-me outra vez para a mesma mesa
onde fico de costas para a janela
onde o tempo me esquece
onde nada me toca
o teu gesto protege
o teu corpo separa
a água que me dás
interrompe a memória

Só à porta da rua
o tempo reaparece. 


Yvette Centeno, in A Oriente,
1ª edição, Lisboa: Editorial Presença, 
colecção Forma – 38, 1998, p.12


Yvette Kace Centeno nasceu em Lisboa, em 1940, numa família de origem germano-polaca.
Poeta, ficcionista, autora dramática, tradutora (traduziu Bertolt Brecht), doutorada em Filologia Germânica e docente na Universidade Nova de Lisboa, onde dirigiu o gabinete de Estudos de Simbologia. Colaboradora em várias publicações periódicas, tem-se destacado no domínio do ensaio com uma série de investigações sobre as relações entre a literatura e o hermetismo, interesse que condiciona uma produção literária atenta ao poder alquímico do símbolo ("A matéria das obras, alquímica ou literária, é a matéria da vida. Tudo é um (...) a partir da obra literária se pode chegar à descoberta do superior e do inferior nela, do impulso que a anima e da estrutura que a ordena num todo coerente. A obra é reflexo do homem, e o homem, centro do universo, é reflexo de Deus.", in Literatura e Alquimia, Lisboa, 1987, p. 8). Na ficção, sob o influxo de Pessoa, assume o romance "como género meditativo sem chegar ao romance-ensaio, elegíaco sem cair no domínio da prosa poética, de narração fragmentada e governada pela temporalidade interior sem por isso se integrar nos domínios do experimentalismo ou dos fluxos caóticos da consciência". (SEIXO, Maria Alzira - Portugal, A Terra e o Homem, 2.a série, Lisboa, 1983, p. 411). Na dramaturgia, estreou-se em 1974 com um volume de teatro de tendência experimental, Teatro Aberto, onde reuniu doze exercícios dramáticos.

Yvette Kace Centeno. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2013. [Consult. 2013-11-08].


Jack Tworkov, Untitled Seated Figure (Z. Sharkey), circa 1948


Jack Tworkov, Figures, 1949


Jack Tworkov, Brake III, 1960


Jack Tworkov, Untitled Collage, circa 1960-1962


Jack Tworkov, Untitled, 1982


"O escritor foi sempre um funâmbulo cego e o leitor 
é apenas um espectador de passagem."



Katie Melua - I Will Be There (Full Concert Version) - Official Video



sábado, 2 de novembro de 2013

"Um ritmo perdido" - Poema de Ana Hatherly


Ana Hatherly, Os cardumes da palavra, de A reinvenção da leitura, 1975



Um ritmo perdido...


Se uma pausa não é fim 
e silêncio não é ausência, 
se um ramo partido não mata uma árvore, 
um amor que é perdido, será acabado? 

um ouvido que escuta 
uma alma que espera... 
-uma onda desfeita 
É ou já não era? 

Nuvem solitária, 
silenciosa e breve, 
nuvem transparente, 
desenho etéreo de anjo distraído... 

nuvem, 
esquecida em céu de esperança, 
forma irreal de sonho interrompido.. 

nuvem, 
luz e sombra, 
forma e movimento, 
fantasia breve de ânsia de infinito... 

nuvem que foste 
e já não és: 
desejo formulado e incompreendido. 


Ana Hatherly 



Pearl Jam - Black


sexta-feira, 1 de novembro de 2013

"Geração à rasca - A nossa culpa" - Texto de Maria dos Anjos Polícia


 
Sherree Valentine Daines (British painter, b.1956)
 


Geração à rasca - A nossa culpa


Um dia, isto tinha de acontecer.
Existe uma geração à rasca?
Existe mais do que uma! Certamente!
Está à rasca a geração dos pais que educaram os seus meninos numa abastança caprichosa, protegendo-os de dificuldades e escondendo-lhes as agruras da vida.
Está à rasca a geração dos filhos que nunca foram ensinados a lidar com frustrações.
A ironia de tudo isto é que os jovens que agora se dizem (e também estão) à rasca são os que mais tiveram tudo.
Nunca nenhuma geração foi, como esta, tão privilegiada na sua infância e na sua adolescência. E nunca a sociedade exigiu tão pouco aos seus jovens como lhes tem sido exigido nos últimos anos.

Deslumbradas com a melhoria significativa das condições de vida, a minha geração e as seguintes (atualmente entre os 30 e os 50 anos) vingaram-se das dificuldades em que foram criadas, no antes ou no pós 1974, e quiseram dar aos seus filhos o melhor.
Ansiosos por sublimar as suas próprias frustrações, os pais investiram nos seus descendentes: proporcionaram-lhes os estudos que fazem deles a geração mais qualificada de sempre (já lá vamos...), mas também lhes deram uma vida desafogada, mimos e mordomias, entradas nos locais de diversão, cartas de condução e 1º automóvel, depósitos de combustível cheios, dinheiro no bolso para que nada lhes faltasse. Mesmo quando as expectativas de primeiro emprego saíram goradas, a família continuou presente, a garantir aos filhos cama, mesa e roupa lavada.
Durante anos, acreditaram estes pais e estas mães estar a fazer o melhor; o dinheiro ia chegando para comprar (quase) tudo, quantas vezes em substituição de princípios e de uma educação para a qual não havia tempo, já que ele era todo para o trabalho, garante do ordenado com que se compra (quase) tudo. E éramos (quase) todos felizes.

Depois, veio a crise, o aumento do custo de vida, o desemprego, ... A vaquinha emagreceu, feneceu, secou.

Foi então que os pais ficaram à rasca.
Os pais à rasca não vão a um concerto, mas os seus rebentos enchem Pavilhões Atlânticos e festivais de música e bares e discotecas onde não se entra à borla nem se consome fiado.
Os pais à rasca deixaram de ir ao restaurante, para poderem continuar a pagar restaurante aos filhos, num país onde uma festa de aniversário de adolescente que se preza é no restaurante e vedada a pais.
São pais que contam os cêntimos para pagar à rasca as contas da água e da luz e do resto, e que abdicam dos seus pequenos prazeres para que os filhos não prescindam da internet de banda larga a alta velocidade, nem dos qualquer coisa phones ou pads, sempre de última geração.

São estes pais mesmo à rasca, que já não aguentam, que começam a ter de dizer "não". É um "não" que nunca ensinaram os filhos a ouvir, e que por isso eles não suportam, nem compreendem, porque eles têm direitos, porque eles têm necessidades, porque eles têm expectativas, porque lhes disseram que eles são muito bons e eles querem, e querem, querem o que já ninguém lhes pode dar!

A sociedade colhe assim hoje os frutos do que semeou durante pelo menos duas décadas.

Eis agora uma geração de pais impotentes e frustrados.
Eis agora uma geração jovem altamente qualificada, que andou muito por escolas e universidades mas que estudou pouco e que aprendeu e sabe na proporção do que estudou. Uma geração que coleciona diplomas com que o país lhes alimenta o ego insuflado, mas que são uma ilusão, pois correspondem a pouco conhecimento teórico e a duvidosa capacidade operacional.
Eis uma geração que vai a toda a parte, mas que não sabe estar em sítio nenhum. Uma geração que tem acesso a informação sem que isso signifique que é informada; uma geração dotada de trôpegas competências de leitura e interpretação da realidade em que se insere.
Eis uma geração habituada a comunicar por abreviaturas e frustrada por não poder abreviar do mesmo modo o caminho para o sucesso. Uma geração que deseja saltar as etapas da ascensão social à mesma velocidade que queimou etapas de crescimento. Uma geração que distingue mal a diferença entre emprego e trabalho, ambicionando mais aquele do que este, num tempo em que nem um nem outro abundam.
Eis uma geração que, de repente, se apercebeu que não manda no mundo como mandou nos pais e que agora quer ditar regras à sociedade como as foi ditando à escola, alarvemente e sem maneiras.
Eis uma geração tão habituada ao muito e ao supérfluo que o pouco não lhe chega e o acessório se lhe tornou indispensável.
Eis uma geração consumista, insaciável e completamente desorientada.
Eis uma geração preparadinha para ser arrastada, para servir de montada a quem é exímio na arte de cavalgar demagogicamente sobre o desespero alheio.

Há talento e cultura e capacidade e competência e solidariedade e inteligência nesta geração?
Claro que há. Conheço uns bons e valentes punhados de exemplos!
Os jovens que detêm estas capacidades-características não encaixam no retrato coletivo, pouco se identificam com os seus contemporâneos, e nem são esses que se queixam assim (embora estejam à rasca, como todos nós).
Chego a ter a impressão de que, se alguns jovens mais inflamados pudessem, atirariam ao tapete os seus contemporâneos que trabalham bem, os que são empreendedores, os que conseguem bons resultados académicos, porque, que inveja!, que chatice!, são betinhos, cromos que só estorvam os outros (como se viu no último Prós e Contras) e, oh, injustiça!, já estão a ser capazes de abarbatar bons ordenados e a subir na vida.

E nós, os mais velhos, estaremos em vias de ser caçados à entrada dos nossos locais de trabalho, para deixarmos livres os invejados lugares a que alguns acham ter direito e que pelos vistos - e a acreditar no que ultimamente ouvimos de algumas almas - ocupamos injusta, imerecida e indevidamente?!!!

Novos e velhos, todos estamos à rasca.
Apesar do tom desta minha prosa, o que eu tenho mesmo é pena destes jovens.
Tudo o que atrás escrevi serve apenas para demonstrar a minha firme convicção de que a culpa não é deles.
A culpa de tudo isto é nossa, que não soubemos formar nem educar, nem fazer melhor, mas é uma culpa que morre solteira, porque é de todos, e a sociedade não consegue, não quer, não pode assumi-la.
Curiosamente, não é desta culpa maior que os jovens agora nos acusam. Haverá mais triste prova do nosso falhanço?
Pode ser que tudo isto não passe de alarmismo, de um exagero meu, de uma generalização injusta.
Pode ser que nada/ninguém seja assim.
 

Publicado 9th March 2011 por Assobio (Maria dos Anjos Polícia)
 
 
Coldplay - The Scientist


"Toda a realidade é redutora" - Texto de Vergílio Ferreira


George Henry Boughton (Anglo-American, 1833-1905), Memories, 1896
 
 

Toda a realidade é redutora


Viajar não é realizar o imaginário que nos excita antes da viagem mas sim exterminá-lo. O deslumbramento é do que se imagina e não do que realizou esse imaginar. Nós pensamos numa terra longínqua e confusamente admitimos que essa distância é sensível quando lá estivermos. Ora quando lá estivermos há o real que desmistifica o imaginário, há o lá, como aqui, num sítio limitado por um horizonte totalmente presente e não tocado da ausência que havia na imaginação. Mesmo os seus elementos característicos que tiver, uma vez realizados, perdem a magia na sua realização. Eis porque precisamos às vezes de rever num mapa a sua localização para de algum modo lhe restaurarmos a distância. Tudo se solidifica na concretização do real, tudo se desvanece aí da sua figuração. A grande força do real é a do que está para lá dele, porque toda a realidade é redutora. 
 
Vergílio Ferreira, in 'Pensar'


George Henry Boughton, Self-portrait, 1884



George Henry Boughton, Rose Standish, 1891

 
George Henry Boughton, Winter Morning Walk, 1864, 


 George Henry Boughton - Pilgrims Going to Church, 1867; New York Historical Society


 George Henry Boughton, The Waning Honeymoon, 1878, Walters Art Museum 
 
 
 George Henry Boughton, Weeding the Pavement, 1882, National Gallery

"Plano de Vida" - Texto de Fernando Pessoa


Cidade de Aveiro, Portugal


Plano de Vida


Um plano geral para a vida deve implicar, antes de mais, alcançar-se qualquer forma de estabilidade financeira. Marquei como limite para essa coisa humilde a que chamo estabilidade financeira cerca de sessenta dólares—quarenta para o necessário, e vinte para as coisas supérfluas da vida. A forma de o alcançar é adicionar aos trinta e um dólares dos dois escritórios (P & FF) vinte e nove dólares de proveniência a determinar. Em rigor, para viver apenas, cinquenta dólares bastariam, pois, tomando trinta e cinco como base necessária, quinze já davam para o resto.
A coisa essencial que vem logo a seguir é residir numa casa com bastante espaço, espaço quanto a divisões e divisões com os requisitos necessários, para arrumar todos os meus papéis e livros na devida ordem; e tudo isto sem grande possibilidade de me mudar dentro de pouco tempo. Parece que o mais fácil seria alugar eu próprio uma casa — à base de, suponhamos, oito ou, quando muito, nove dólares — e viver lá à vontade, combinando que me levassem o jantar (e o pequeno-almoço) todos os dias, ou coisa parecida. Mas seria este sistema absolutamente conveniente?
Substituir, no tocante à ordem dos papéis, a minha caixa grande por caixas mais pequenas contendo os papéis por ordem de importância. Na caixa grande e na outra em A. S. ficariam só os jornais e revistas que guardo.
Alugada uma casa, qual o mobiliário? Não seria melhor combinar de novo as coisas com S? De modo a alcançar isto de que preciso, mudando-nos nós, se necessário, para tanto?
Seja como o Destino quiser.

Fernando Pessoa, in 'Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação'



Fernando Pessoa 

Nascimento: 13 de Junho de 1888
Morte: 30 de Novembro de 1935 (47 anos)


 Fernando António Nogueira Pessoa, mais conhecido como Fernando Pessoa, foi um poeta e escritor português. Como poeta, desdobrou-se em múltiplas personalidades conhecidas como heterónimos, objeto da maior parte dos estudos sobre sua vida e sua obra. Centro irradiador da heteronímia, auto-denominou-se um "drama em gente". Os três heterónimos mais conhecidos (e também aqueles com maior obra poética) foram Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Alberto Caeiro.

"A Vaidade e a Inveja desaparecem com a Idade" - Crónica de António Lobo Antunes


Christen Købke, View of a Street in Østerbro outside Copenhagen. Morning Light, 1836



A Vaidade e a Inveja desaparecem com a Idade


Com o passar do tempo, há dois sentimentos que desaparecem: a vaidade e a inveja. A inveja é um sentimento horrível. Ninguém sofre tanto como um invejoso. E a vaidade faz-me pensar no milionário Howard Hughes. Quando ele morreu, os jornalistas perguntaram ao advogado: «Quanto é que ele deixou?» O advogado respondeu: «Deixou tudo.» Ninguém é mais pobre do que os mortos. 


António Lobo Antunes, in "Diário de Notícias (2004)"

 
Christen Købke (1810–1848), Self-Portrait, ca. 1833


"Não me diga que não posso fazer; não me diga que não dá para ser feito." 
 
(Howard Hughes)


Howard Hughes


Produtor, realizador de cinema e homem de negócios de sucesso norte-americano, Howard Robard Hughes Jr. nasceu a 24 de dezembro de 1905, em Humble, no Texas, e morreu a 5 de abril de 1976, em Houston.
Estudou na Universidade de Rice e no Instituto de Tecnologia da Califórnia e, em 1923, com apenas 18 anos, herdou a companhia Hughes Tool e a fortuna do pai - adquirida por ter inventado uma máquina de perfuração para poços de petróleo, que ainda hoje é utilizada - que lhe permitiu criar um império financeiro.
De início, Howard manteve-se afastado dos negócios, levando uma vida sem responsabilidades. Entretanto, aos 20 anos, casou-se com a também milionária Ella Rice, de quem acabaria por se divorciar quatro anos depois. 
Em 1925, mudou-se para a Califórnia onde, um ano depois, investiu parte do seu dinheiro e se aventurou no mundo cinematográfico como produtor do filme Swell Hogan, seguido pela comédia de sucesso Two Arabian Knights (1927), que recebeu o Óscar para Melhor Argumento de Comédia. 
Em 1930, realizou e produziu Hell's Angels, um épico de guerra que demorou cerca de três anos a ser concluído devido à sua busca pela perfeição, e que contou com as interpretações de Ben Lyon, Jean Jarlow e James Hall. O argumento era muito apelativo a Howard por incluir aviões, a sua outra grande paixão. Foi graças ao sucesso obtido com este filme que se tornou uma celebridade em Hollywood.
Ficou também conhecido por se envolver romanticamente com algumas das mulheres mais bonitas da sétima arte, como Carole Lombard, Jean Harlow e Katherine Hepburn, entre muitas outras.
Em 1948, adquiriu o controlo da produtora RKO Pictures e produziu filmes até vender a companhia em 1955.
Como produtor, foi responsável por 26 filmes, entre eles Scarface (Scarface, o Homem da Cicatriz, 1932), realizado por Howard Hawks; o western The Outlaw (A Terra dos Homens Perdidos, 1943), que também realizou e que foi protagonizado por Jane Russell e Jack Buetel, e Jet Pilot (As Estradas do Inferno, 1957), realizado por Josef von Sternberg, com John Wayne
Casou-se pela segunda vez, em 1957, com Jean Peters, de quem se divorciaria em 1971. 
Hughes ficou também conhecido pela sua obsessão por aviões, facto que o levou a comprar uma companhia de aviação e a desenhar, construir e pilotar muitos dos aviões que criava. Chegou inclusive a bater alguns recordes de velocidade.
Sofreu durante parte da sua vida de doença desconhecida, relacionada com perturbações mentais que o faziam viver recluso e solitário e lhe conferiram uma aura de excentricidade devido a alguns comportamentos estranhos.
Hughes acabaria por morrer em abril de 1976, devido a uma insuficiência renal.
 
Howard Hughes. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2013. [Consult. 2013-11-01].


Leonard Cohen - Hallelujah


"O tempo é a imagem móvel da eternidade imóvel."



"Como é que se esquece alguém que se ama?" - Crónica de Miguel Esteves Cardoso


Max Pechstein, Sunlight, 1921 
(Expressionism, Fauvism)


Como é que se esquece alguém que se ama?


Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver? Quando alguém se vai embora de repente como é que se faz para ficar? Quando alguém morre, quando alguém se separa - como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já lá não está? 
As pessoas têm de morrer; os amores de acabar. As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar. Sim, mas como se faz? Como se esquece? Devagar. É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. Podem pôr-se processos e ações de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar de repente. Elas não saem de lá. Estúpidas! É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar. A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência. O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou do coração. Ninguém aguenta estar triste. Ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e comprimidos. Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se. Não se pode esquecer alguém antes de terminar de lembrá-lo. Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma. A saudade é uma dor que pode passar depois de devidamente doída, devidamente honrada. É uma dor que é preciso aceitar, primeiro, aceitar. 
É preciso aceitar esta mágoa esta moinha, que nos despedaça o coração e que nos mói mesmo e que nos dá cabo do juízo. É preciso aceitar o amor e a morte, a separação e a tristeza, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução. Quantos problemas do mundo seriam menos pesados se tivessem apenas o peso que têm em si, isto é, se os livrássemos da carga que lhes damos, aceitando que não têm solução. 
Não adianta fugir com o rabo à seringa. Muitas vezes nem há seringa. Nem injeção. Nem remédio. Nem conhecimento certo da doença de que se padece. Muitas vezes só existe a agulha. 
Dizem-nos, para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa espera. Acumula-se-nos tudo na alma, fica tudo desarrumado. 
O esquecimento não tem arte. Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças a dobrar. Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar. 
 

Miguel Esteves Cardoso, in 'Último Volume'