Um cão é isto de sermos gente
Um cão
é isto de sermos gente.
Se temos só duas pernas
temos em contrapartida
uma complicação escura
dentro do peito.
Qualquer coisa como
os fundos desconhecidos
da água
só conhecidos
dos náufragos.
Para matar
é preciso uma arma
e para voar
como búzios
precisamos papel e lápis
— e assim viajamos
dentro de vegetais malas de viagens
procurando o destino sufocante
de todas as paragens.
Cruzeiro Seixas,
in 'Homenagem à Realidade'
Cruzeiro Seixas
Artur do Cruzeiro Seixas, nasceu em 1920, na Amadora. No seu percurso artístico, conta com uma fase expressionista, neorrealista e, a partir de 1948 – quando tomou parte da atividade dos surrealistas Mário Cesariny, Carlos Calvet, António Maria Lisboa ou Mário Henrique Leiria – de uma via surrealista que não mais abandonará.
É autor de um vasto trabalho no campo do desenho e pintura, mas também da poesia e escultura (objetos). Em 1952 foi viver para Angola, onde realizou várias exposições individuais e projectos na área da museologia. Partiu em 1964, fugindo da guerra colonial que se vivia e decidiu empreender uma viagem pela Europa.
Cruzeiro Seixas é, hoje, considerado um dos precursores portugueses do surrealismo fantástico, inspirado em De Chirico. As suas obras caracterizam-se pela conjugação de personagens híbridas e subvertidas, assentes em planos de profundidade que seguem normas de perspectiva, luz e sombra próximas da representação da realidade. Do surrealismo proposto por Breton, interessou-lhe sobretudo a liberdade de criação: “Direi ainda quanto me admiro de que as pessoas se manifestem diante do ilógico de uma pintura surrealista, e se mostrem passivas diante do ilógico que lhes é imposto no dia-a-dia“. (Daqui)
Cruzeiro Seixas, Navegantes especiais (colaboração de Courbet), 1975
"A pintura é cada vez menos pintura, mas sim poesia."
(Artur do Cruzeiro Seixas)
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