segunda-feira, 2 de setembro de 2019

"Magnificat" - Poema de Álvaro de Campos (Heterónimo de Fernando Pessoa)


Ernst Ludwig Kirchner, "The Drinker (self-portrait)", 1914,
Germanisches Nationalmuseum



Magnificat


Quando é que passará esta noite interna, o universo,
E eu, a minha alma, terei o meu dia?
Quando é que despertarei de estar acordado?
Não sei. O sol brilha alto,
Impossível de fitar.
As estrelas pestanejam frio,
Impossíveis de contar.
O coração pulsa alheio,
Impossível de escutar.
Quando é que passará este drama sem teatro,
Ou este teatro sem drama,
E recolherei a casa?
Onde? Como? Quando?
Gato que me fitas com olhos de vida, quem tens lá no fundo?
É esse! É esse!
Esse mandará como Josué parar o sol e eu acordarei;
E então será dia.
Sorri, dormindo, minha alma!
Sorri, minha alma, será dia!

7-11-1933

Álvaro de Campos,
Heterónimo de Fernando Pessoa,
Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993) - 298.


Sem comentários: