terça-feira, 3 de setembro de 2019

"Nós" - Poemas de Guilherme de Almeida


Lasar Segall, Encontro, 1924


Nós


I

Fico - deixas-me velho. Moça e bela,
partes. Estes gerânios encarnados,
que na janela vivem debruçados,
vão morrer debruçados na janela.

E o piano, o teu canário tagarela,
a lâmpada, o divã, os cortinados:
- "Que é feito dela?" - indagarão - coitados!
E os amigos dirão: - "Que é feito dela?"

Parte! E se, olhando atrás, da extrema curva
da estrada, vires, esbatida e turva,
tremer a alvura dos cabelos meus;

irás pensando, pelo teu caminho,
que essa pobre cabeça de velhinho
é um lenço branco que te diz adeus!

II

Nessa tua janela, solitário,
entre as grades douradas da gaiola,
teu amigo de exílio, teu canário
canta, e eu sei que esse canto te consola.

E, lá na rua, o povo tumultuário
ouvindo o canto que daqui se evola
crê que é o nosso romance extraordinário
que naquela canção se desenrola.

Mas, cedo ou tarde, encontrarás, um dia,
calado e frio, na gaiola fria,
o teu canário que cantava tanto.

E eu chorarei. Teu pobre confidente
ensinou-me a chorar tão docemente,
que todo mundo pensará que eu canto.

III

Mas não passou sem nuvem de tristeza
esse amor que era toda a tua vida,
em que eu tinha a existência resumida
e a viva chama de minha alma, acesa.

Nem lemos sem vislumbre de incerteza
a página do amor, lida e relida,
mas pouquíssimas vezes entendida,
sempre cheia de engano e de surpresa,

Não. Quantas vezes ocultei a minha
dor num sorriso! Quanta vez sentiste
parar, medroso, o coração de gelo!

- É que nossa alma às vezes adivinha
que perder um amor não é tão triste
como pensar que havemos de perdê-lo.

IV

Quando as folhas caírem nos caminhos,
ao sentimentalismo do sol poente,
nós dois iremos vagarosamente,
de braços dados, como dois velhinhos...

E que dirá de nós toda essa gente,
quando passarmos mudos e juntinhos?
-" Como se amaram esses coitadinhos!
Como ela vai, como ele vai contente!"

E por onde eu passar e tu passares,
hão de seguir-nos todos os olhares
e debruçar-se as flores nos barrancos...

E por nós, na tristeza do sol posto,
hão de falar as rugas do meu rosto...
Hão de falar os teus cabelos brancos...


Guilherme de Almeida
(1890-1969)


A casa da colina de Guilherme de Almeida (Daqui)


A Casa Guilherme de Almeida é um museu biográfico-literário localizado na cidade de São Paulo, no Brasil. Fundado em 1979, é um museu público estadual, subordinado à Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, administrado em parceria com uma organização privada, com recursos provenientes do erário. O museu está instalado na residência onde Guilherme de Almeida viveu de 1946 até o ano de sua morte (1969), conhecida como Casa da Colina, situada no bairro do Pacaembu.

O museu tem por objetivo conservar, organizar e expor o acervo bibliográfico, histórico, artístico e documental que pertenceu ao poeta e tradutor Guilherme de Almeida, bem como estimular e realizar pesquisas e estudos críticos sobre sua obra e divulgar a literatura e os autores nacionais em geral. Também mantém o Centro de Estudos de Tradução Literária, responsável por organizar e ministrar cursos e outras atividades relacionadas à teoria e à prática da tradução.

A Casa Guilherme de Almeida possui um acervo com aproximadamente 15.300 peças, em que se destaca sua ampla e diversificada biblioteca, bem como uma significativa coleção de obras de arte de grandes expoentes do modernismo brasileiro (como Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Lasar Segall e Victor Brecheret), muitas das quais oferecidas ao poeta pelos próprios autores. A coleção também abarca objetos decorativos, indumentária, têxteis, comendas, numismática, jóias, discos e outros objetos que pertenceram a Guilherme e sua esposa, Belkiss Barrozo de Almeida (Baby de Almeida). (Daqui)


Lasar Segall, Retrato da jovem Baby de Almeida, 1927 



Mergulho


Almejo mergulhar
na solidão e no silêncio,
para encontrar-me
e despojar-me de mim,
até que a Eterna Presença
seja a minha plenitude.


Helena Kolody


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