sexta-feira, 2 de julho de 2021

"Hino à Dor" - Poema de António Feijó


 
Frederick Goodall (British, 1822–1904), Orientalist painter,  
Mrs. Charles Kettlewell in Neo­classical Dress, 1890 
 


Hino à Dor 
(Aos Condes de Sabugosa) 

 
Sorri com mais doçura a boca de quem sofre,
Embora amargue o fel que os seus lábios beberam;
É mais ardente o olhar onde, como um aljofre,
A Dor se condensou e as lágrimas correram.

Soa, como se um beijo ou uma carícia fosse,
A voz que a soluçar na Desgraça aprendeu;
E não há para nós consolação mais doce
Que o regaço de quem muito amou e sofreu.

Voz, que jamais vibrou num soluço de mágoa,
Ao nosso coração nunca pode chegar...
Mas o pranto, ao cair duns olhos rasos d'água,
Torna mais penetrante e mais profundo o olhar.

Lábio, que só bebeu na fonte da Alegria,
É frio, como o olhar de quem nunca chorou;
A Bondade é uma flor que se alimenta e cria
Dos resíduos que a Dor no coração deixou.

Em tudo quanto existe o Sofrimento imprime
Uma augusta expressão... mesmo a Suprema Graça,
Dando aos versos do Poeta esse esmalte sublime
Que torna imorredoura a Inspiração que passa.

É por isso que a Dor, sem trégua nem guarida,
Dor sem resignação, Dor de estóico ou de santo,
Só de a vermos passar no tumulto da Vida
Deixa os olhos da gente enublados de pranto. 


António Feijó, in 'Sol de Inverno'
 
 

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