terça-feira, 13 de julho de 2021

"Vaga, no azul amplo solta" - Poema de Fernando Pessoa


John Glover (1767-1849), A view of the artist's house and garden, in Mills Plains,
Van Diemen's Land, 1835
Art Gallery of South Australia



Vaga, no azul amplo solta

Vaga, no azul amplo solta,
Vai uma nuvem errando.
O meu passado não volta.
Não é o que estou chorando.

O que choro é diferente.
Entra mais na alma da alma.
Mas como, no céu sem gente,
A nuvem flutua calma,

E isto lembra uma tristeza
E a lembrança é que entristece,
Dou à saudade a riqueza
De emoção que a hora tece.

Mas, em verdade, o que chora
Na minha amarga ansiedade
Mais alto que a nuvem mora,
Está para além da saudade.

Não sei o que é nem consinto
À alma que o saiba bem
Visto da dor com que minto
Dor que a minha alma tem.

20-3-1931  

Fernando Pessoa 

 

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