Rosto Afogado
Para sempre um luar de naufrágio
anunciará a aurora fria.
Para sempre o teu rosto afogado,
entre retratos e vendedores ambulantes,
entre cigarros e gente sem destino,
flutuará rodeado de escamas cintilantes.
Se me pudesse matar,
seria pela curva doce dos teus olhos,
pela tua fronte de bosque adormecido,
pela tua voz onde sempre amanhecia,
pelos teus cabelos onde o rumor da sombra
era um rumor de festa,
pela tua boca onde os peixes se esqueciam
de continuar a viagem nupcial.
Mas a minha morte é este vaguear contigo
na parte mais débil do meu corpo,
com uma espinha de silêncio
atravessada na garganta.
Não sei se te procuro ou se me esqueço
de ti quando acaso me debruço
nuns olhos subitamente acesos
ao dobrar de uma esquina,
na boca dos anjos embriagados
de tanta solidão bebida pelos bares,
nas mãos levemente adolescentes
poisadas na indolência dos joelhos.
Quem me dirá que não é verdade
o teu rosto afogado, o teu rosto perdido,
de sombra em sombra, nas ruas da cidade?
Ninguém te conheceu,
ninguém viu romper a luz na tua cama,
ninguém sabe, ninguém,
que o teu corpo, continente selvagem,
se desvelava por uma pedra branca
atirada contra o nevoeiro.
Por isso escrevo esta elegia
como quem oferece a luz dos olhos;
por isso canto o teu rosto afogado
como quem canta um funeral de espigas.
Autorretrato de Eliseu Visconti, 1902,
Óleo sobre tela, 64 x 48 cm
Eliseo d'Angelo Visconti (Giffoni Valle Piana, 30 de julho de 1866 — Rio de Janeiro, 15 de outubro de 1944) foi um pintor, desenhista e designer ítalo-brasileiro ativo entre os séculos XIX e XX. É considerado um dos mais importantes artistas brasileiros do período e o mais expressivo representante da pintura impressionista no Brasil.
Eliseu Visconti, Moça no Trigal - c.1916
- What sculpture is to a block of marble, education is to the human soul.-
"The Spectator (1711-1714)"; No. 215 (6 de novembro de 1711)
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