Armando Alves, Paisagem, óleo s/ tela, 100x100, 2004
Delicadeza
Essa delicadeza, cada vez mais difícil, pela qual se perde
a vida, como a entendo,
pratico.
Essa subtileza de pesadelo branco, como a sinto
extrema sempre,
às vezes.
Ingénua - um animal discreto; sem dono
e sem direitos.
Por ela arrisco um aceitar alguém
que nunca foi
criança.
Um ler que me não prende mais a atenção, um ser gentil
para com uma pessoa ingrata
- um cultivar uma paixão isenta
"dos cardos do contacto".
Um não precisar esclarecer seja o que for,
pois tudo na vida é afinal
bem mais sério
do que parece.
É por essa gentileza
que se um grito me chega ao ouvido
prefiro escutar nele o cheiro de um corpo que se perdeu
do meu
e ainda assim dizer
Deus seja louvado,
oxalá ele consiga agora ficar
silencioso qual rasto de leitura sem palavra.
Sim, é por essa gentileza, mulher poeta ou homem sensível
- não me distingo nem de um nem do outro -,
que muito embora as minhas esperanças
se tenham desfeito há muito
me permito, e não obstante um total desencanto,
acreditar, ainda, numa simpatia sem despeito;
pois e em virtude dessa mesma gentileza,
não quero saber mais do que me dizem
ou confiar menos do que o desapontamento
me permita.
Estou consciente
de que as criaturas ou coisas imprestáveis podem ser justas
e belas,
e de que chegaremos, meu delírio,
à mansidão, se o coração enciumado
se não puser de fora
- se o coração se tornar generoso e vigilante
como a espera das folhas
de que a copa carece
em pleno inverno.
Por isso, se te disser que sinto frio,
que a água da chaleira
evaporou,
mas que de vez em quando sempre,
às vezes,
o embaraço do vapor em que ela se dissolve
deixa uma gota mais aflita
no desamparo em que me acolhes,
lembra-te da comoção
que me embarga a voz, quando, após uma longa
ausência, apareces, para e de cada vez
que tal acontece, te ires
definitivamente
embora.
Eduarda Chiote, in 'Não me Morras'
Armando Alves (daqui)
Armando José Ruivo Alves GOM (Estremoz, 1935) é um artista plástico português.
Estudou na Escola de Artes Decorativas António Arroio, em Lisboa, e na Escola Superior de Belas-Artes do Porto; aqui conclui o curso de Pintura com vinte valores, o que originou, em 1968, a formação do grupo Os Quatro Vintes, com Ângelo de Sousa, José Rodrigues e Jorge Pinheiro, com o qual se apresenta em exposições no final da década de 1960.
Entre 1963 e 1973 foi professor assistente na ESBAP, onde introduziu o estudo das Artes Gráficas, área a que viria a dedicar-se prolongadamente, tendo estado profissionalmente ligado a três editoras: Editorial Inova (1968); Editorial Limiar (1975); Editorial Oiro do Dia (1980). Dirigiu graficamente obras literárias, produziu cartazes, comemorativos e publicitários, catálogos de exposições e programas de concertos e de atividades desportivas. Em 1983 recebeu o prémio na Mostra de Artes Gráficas Grafiporto 83, no Museu Nacional de Soares dos Reis.
Armando Alves, Objecto, madeira pintada
Tendo começado por uma figuração que pode aproximar-se do universo neo-realista, optou seguidamente por um informalismo matérico desenvolvido na década de 60. Nos anos 70 dedica-se à construção de objectos pintados, de grande depuração formal. A partir dos anos 80 retoma os valores da paisagem que reformula à luz de um abstraccionismo lírico.
Foi agraciado com o Grau de Grande Oficial da Ordem do Mérito; recebeu o Prémio de Artes Casino da Póvoa 2009. (Daqui)
Armando Alves, Sem Título, 2012
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