sábado, 1 de agosto de 2015

"O Quê? Valho Mais Que Uma Flor" - Poema de Alberto Caeiro


Cecelia Webber, Digital Photographic Image


O quê? Valho mais que uma flor


O quê? Valho mais que uma flor
Porque ela não sabe que tem cor e eu sei,
Porque ela não sabe que tem perfume e eu sei,
Porque ela não tem consciência de mim e eu tenho consciência dela?
Mas o que tem uma coisa com a outra
Para que seja superior ou inferior a ela?
Sim tenho consciência da planta e ela não a tem de mim.
Mas se a forma da consciência é ter consciência, que há nisso?
A planta, se falasse, podia dizer-me: E o teu perfume?
Podia dizer-me: Tu tens consciência porque ter consciência é uma qualidade humana
E só não tenho uma porque sou flor senão seria homem.
Tenho perfume e tu não tens, porque sou flor...

Mas para que me comparo com uma flor, se eu sou eu
E a flor é a flor?

Ah, não comparemos coisa nenhuma, olhemos.
Deixemos análises, metáforas, símiles.
Comparar uma coisa com outra é esquecer essa coisa.
Nenhuma coisa lembra outra se repararmos para ela.
Cada coisa só lembra o que é
E só é o que nada mais é.
Separa-a de todas as outras o facto de que é ela.
(Tudo é nada sem outra coisa que não é).


Alberto Caeiro
“Poemas Inconjuntos”
Poemas Completos de Alberto Caeiro
(Heterónimo de Fernando Pessoa)


Cecelia Webber, Digital Photographic Image


"Poupar o coração é permitir à morte coroar-se de alegria." 

(Eugénio de Andrade)


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