Alberto da Veiga Guignard, Paisagem de Ouro Preto, 1950, Coleção Museu de Arte de São Paulo
O coração latino-americano
Incas, ianomamis, tiahuanacos, aztecas,
mayas, tupis-guaranis, a sagrada intuição
das nações mais saudosas. Os resíduos.
A cruz e o arcabuz dos homens brancos.
O assombro diante dos cavalos,
a adoração dos astros.
Uma porção de sangues abraçados.
Os heróis e os mártires que fincaram no
tempo
a espada de uma pátria maior.
A lucidez do sonho arando o mar.
As águas amazônicas, as neves da
cordilheira.
O quetzal dourado, o condor solitário
o uirapuru da floresta, canto de todos os
pássaros.
A destreza felina das onças e dos pumas.
Rosas, hortênsias, violetas, margaridas,
flores e mulheres de todas as cores,
todos os perfis. A sombra fresca
das tardes tropicais. O ritmo pungente,
rumba, milonga, tango, marinera,
samba-canção.
O alambique de barro gotejando
a luz-ardente do canavial.
O perfume da floresta que reúne,
em morna convivência, a árvore altaneira
e a planta mais rasteirinha do chão.
O fragor dos vulcões, o árido silêncio
do deserto, o arquipélago florido,
a pampa desolada, a primavera
amanhecendo luminosa nos pêssegos e nos
jasmineiros,
a palavra luminosa dos poetas,
o sopro denso e perfumado do mar,
a aurora de cada dia, o sol e a chuva
reunidos na divina origem do arco-íris.
Cinco séculos árduos de esperança.
De tudo isso, e de dor, espanto e pranto,
para sempre se fez, lateja e canta
o coração latino-americano.
em "De uma vez por todas", 1996.
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