quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

"O coração latino-americano" - Poema de Thiago de Mello


Alberto da Veiga Guignard, Paisagem de Ouro Preto, 1950, Coleção Museu de Arte de São Paulo 



O coração latino-americano


Incas, ianomamis, tiahuanacos, aztecas, 
mayas, tupis-guaranis, a sagrada intuição 
das nações mais saudosas. Os resíduos. 
A cruz e o arcabuz dos homens brancos. 
O assombro diante dos cavalos, 
a adoração dos astros. 
Uma porção de sangues abraçados. 
Os heróis e os mártires que fincaram no 
tempo 
a espada de uma pátria maior. 
A lucidez do sonho arando o mar. 
As águas amazônicas, as neves da 
cordilheira. 
O quetzal dourado, o condor solitário 
o uirapuru da floresta, canto de todos os 
pássaros. 
A destreza felina das onças e dos pumas. 
Rosas, hortênsias, violetas, margaridas, 
flores e mulheres de todas as cores, 
todos os perfis. A sombra fresca 
das tardes tropicais. O ritmo pungente, 
rumba, milonga, tango, marinera, 
samba-canção. 
O alambique de barro gotejando 
a luz-ardente do canavial. 
O perfume da floresta que reúne, 
em morna convivência, a árvore altaneira 
e a planta mais rasteirinha do chão. 
O fragor dos vulcões, o árido silêncio 
do deserto, o arquipélago florido, 
a pampa desolada, a primavera 
amanhecendo luminosa nos pêssegos e nos 
jasmineiros, 
a palavra luminosa dos poetas, 
o sopro denso e perfumado do mar, 
a aurora de cada dia, o sol e a chuva 
reunidos na divina origem do arco-íris. 
Cinco séculos árduos de esperança. 
De tudo isso, e de dor, espanto e pranto, 
para sempre se fez, lateja e canta 
o coração latino-americano. 
em "De uma vez por todas", 1996.


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