Alberto da Veiga Guignard, "As Gêmeas", retratando as irmãs Léa e Maura, ca. 1940
(Palácio Gustavo Capanema - Rio de Janeiro, RJ)
Anjos mulheres – VI
As mulheres voam
como os anjos:
Com as suas asas feitas
de cristal de rocha da memória
Disponíveis
para voar
soltas...
Primeiro
lentamente: uma por uma
Depois,
iguais aos pássaros
fundas...
Nadando,
juntas
Secreta: a rasar o
chão
a rasar a fenda
da lua
no menstruo:
por entre a fenda das pernas
Às vezes é o aço
que se prende
na luz
A dobrarmos o espaço?
Bruxas:
pomos asas em vassouras
de vento
E voamos
Como as asas
lhe cresciam nas coxas
diziam dela:
que era um anjo do mar
Rondo alto,
postas em nudez de ombros
e pernas
perseguindo,
pelos espaços,
lunares
da menstruação
e corpo desavindo
Não somos violência
mas o voo
quando nadamos
de costas pelo vento
até à foz do tempo
no oceano denso
da nossa própria voz
Sabemos distinguir
a dormir
os anjos das rosas voadoras
pelo tato?
Somos os anjos
do destino
com a alma
pelo avesso
do útero
Voamos a lua
menstruadas
Os homens gritam:
– são as bruxas
As mulheres pensam:
– são os anjos
As crianças dizem:
– são as fadas
Fadas?
filigrama cintilante
de asas volteando
no fundo da vagina
Nadamos?
De costas,
no espaço deste século
Mudar o rumo
e as pernas mais ao
fundo
portas por trás
dobradas pelos rins
Abrindo o ar
com o corpo num só golpe
Soltas,
viando
até chegar ao fim
Dizem-nos:
que nos limitemos ao espaço
Mas nós voamos
também
debaixo de água
Nós somos os anjos
deste tempo
Astronautas,
voando na memória
nas galáxias do vento...
Temos um pacto
com aquilo que
voa
– as aves
da poesia
– os anjos
do sexo
– o orgasmo
dos sonhos
Não há nada
que a nossa voz não abra
Nós somos as bruxas da palavra
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