A vida natural - I
Aqui e agora a vida recomeça
das plantas, aves, nuvens cristalinas,
num presente que vejo e não alcanço,
que sinto e não entendo, presa a essa
forma de amar, que vai às fundas minas,
onde se é no tempo sem descanso,
e se tem, ouro vivo, em cada flanco,
o silêncio escorrendo como a neve,
que desfizesse a luz de alguma chama,
ou o ardor do que ama,
e por amor na mesma neve ferve.
Assim, se o que me é dado se me escapa,
ainda mais o real presente escapa.
O divino real, que é cada coisa
no seu lugar, que é sempre aqui e agora,
e inteiros solicita o corpo e a alma;
o divino imediato, em que repousa
tudo aquilo que vive e que tem forma,
ou não a tem, diluída na água clara
do disperso pelo ar, a imensa, calma
fonte que verteo nu. Olho-me longe
desse perfeito hoje, desse uno
presente, pelo muito
imaginar, andando terras, onde,
se se pode cair no inferno vivo,
se foge ao atual, divino vivo;
se foge à integração nesse absoluto,
que é a direta experiência do que existe,
para tão parcos olhos excessivo
clarão, sons inaudíveis, altos, bruscos
movimentos que escapam ao limite
do nosso entendimento possessivo.
Assim me perco, assim não divinizo
o que é substância em mim divinizável,
o de onde estou contemplo em desamparo
o êxtase puro, o vasto
império do que vive sob o grave
jubiloso silêncio que há em tudo,
ou se transforma em tudo nesse tudo.
em "A vida natural".
Rio de Janeiro: Literatura, 1967.
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