segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

"Homens à beira-mar" - Poema de Sophia de Mello Breyner Andresen


Harold Harvey (British artist associated with the Newlyn School art movement, 1874–1941),
The Longships Lighthouse, Land's End, 1936. 



Homens à beira-mar


Nada trazem consigo. As imagens
Que encontram, vão-se delas despedindo.
Nada trazem consigo, pois partiram
Sós e nus, desde sempre, e os seus caminhos
Levam só ao espaço como o vento.

Embalados no próprio movimento,
Como se andar calasse algum tormento,
O seu olhar fixou-se para sempre
Na aparição sem fim dos horizontes.

Como o animal que sente ao longe as fontes,
Tudo neles se cala pra escutar
O coração crescente da distância,
E longínqua lhes é a própria ânsia.

É-lhes longínquo o sol quando os consome,
É-lhes longínqua a noite e a sua fome,
É-lhes longínquo o próprio corpo e o traço
Que deixam pela areia, passo a passo.

Porque o calor do sol não os consome,
Porque o frio da noite não os gela,
E nem sequer lhes dói a própria fome,
E é-lhes estranho até o próprio rastro.

Nenhum jardim, nenhum olhar os prende.
Intactos nas paisagens onde chegam
 
Só encontram o longe que se afasta, 
 O apelo do silêncio que os arrasta,
As aves estrangeiras que os trespassam,
E o seu corpo é só um nó de frio
Em busca de mais mar e mais vazio.


Sophia de Mello Breyner Andresen
,
 in "Poesia", 1944.
 


Harold Harvey, Whiffing in Mount's Bay, 1904.
 
 
Atlântico

 
Mar,
Metade da minha alma é feita de maresia.
 
 
Sophia de Mello Breyner Andresen,
 in "Poesia", 1944.
 

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