Ana Hatherly, "Lembras-te quando era tudo diferente", 1975.
Esta Gente / Essa Gente
O que é preciso é gente
gente com dente
gente que tenha dente
que mostre o dente
Gente que não seja decente
nem docente
nem docemente
nem delicodocemente
Gente com mente
com sã mente
que sinta que não mente
que sinta o dente são e a mente
Gente que enterre o dente
que fira de unha e dente
e mostre o dente potente
ao prepotente
O que é preciso é gente
que atire fora com essa gente
Essa gente dominada por essa gente
não sente como a gente
não quer
ser dominada por gente
NENHUMA!
A gente
só é dominada por essa gente
quando não sabe que é gente
Ana Hatherly, in "Um Calculador de Improbabilidades"
Biografia de Ana Hatherly
Ana Hatherly pseudónimo literário de Ana Maria de Lourdes Rocha Alves, nasceu na cidade do Porto em 1929. É professora, poetisa, romancista, ensaísta, investigadora, tradutora, realizadora e artista plástica portuguesa.
Ana Hatherly
Ana Hatherly, professora catedrática da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, onde co-fundou o Instituto de Estudos Portugueses, é diplomada em Cinema, pela London Film School, licenciada em Filologia Germânica, pela Universidade de Lisboa, e doutorada em Estudos Hispânicos, pela Universidade da Califórnia, em Berkeley.
Anteriormente lecionou na Escola de Cinema do Conservatório Nacional, e no AR.CO, em Lisboa. Existem cópias dos seus filmes no Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian e no Arquivo da Cinemateca Portuguesa.
Ana Hatherly iniciou a sua carreira literária em 1958, fazendo a sua estreia na poesia com Ritmo Perdido. Paralelamente desenvolveu uma carreira como artista plástica, iniciada na década de 1960, com um extenso número de exposições individuais e colectivas, em Portugal e no estrangeiro.
Foi membro da Direcção da Associação Portuguesa de Escritores e ajudou a fundar o P.E.N. Clube Português, ao qual presidiu. Nos anos 60 e 70, com Ernesto de Melo e Castro, criou o grupo de Poesia Experimental. Como membro ativo e destacado deste grupo, Ana Hatherly integrou exposições de vanguarda e de poesia concreta em Portugal e no estrangeiro. É exactamente no domínio das vanguardas portuguesas da segunda metade do século que o seu nome adquire relevante importância, explorando possíveis ligações sonoras e visuais da palavra, estabelecendo interseções entre a literatura e as artes visuais.
Dedicou-se à investigação e divulgação da literatura portuguesa barroca, fundando as revistas Claro-Escuro e Incidências. Em 1960 edita a antologia Caminhos da Moderna Poesia Portuguesa e publica, entre outras obras, Um Ritmo Perdido (1958), 39 Tisanas (1969), Um Calculador de Improbabilidades (2001), Fibrilações (2005), A Idade da Escrita e outros poemas (2005).
Em 1978 foi agraciada pela Academia Brasileira de Filologia do Rio de Janeiro, com a Medalha Oskar Nobiling; em 1998 obteve o Grande Prémio de Ensaio Literário da Associação Portuguesa de Escritores; em 1999 o Prémio de Poesia do P.E.N. Clube Português; em 2003 o Prémio de Poesia Evelyne Encelot, em França, e o Prémio Hannibal Lucic, na Croácia
No desempenho do papel de cineasta, trabalhou no London Film Institute, entre 1971 e 1974, realizando 4 filmes, três dos quais desenhando directamente sobre a película. Manifestou um particular interesse pelo período Barroco, de onde se destaca o estudo A Experiência do Prodígio (1983).
Obras poéticas: Um Ritmo Perdido (Lisboa, 1958), As Aparências (Lisboa, 1959), A Dama e o Cavaleiro (Lisboa, 1960), Sigma (Lisboa, 1965), Anagramático (Lisboa, 1970), O Escritor (Lisboa, 1975), Poesia (1958-1978) (Lisboa, 1979), Joyciana (obra colectiva, Lisboa, 1982), O Cisne Intacto (Porto, 1983), A Cidade das palavras (Lisboa, 1988), 77 Tisane (Verona, Colpo di Fulmine Editore, 1994), Volúpia (Lisboa, 1997), 351 Tisanas (Lisboa, 1997), A Idade da Escrita (Lisboa, Edições Tema, 1998). Poesia Visual – Mapas da Imaginação e da Memória (Lisboa, 1973), A Reinvenção da Leitura (Lisboa, 1975), Escrita Natural (Lisboa, 1988). Ensaio: A Experiência do Prodígio: Bases Teóricas e Antologia de Textos-Visuais Portugueses dos Séculos XVII e XVIII (Lisboa, IN-CM, 1983).
Traduziu: A Voz Secreta das Mulheres Afegãs, de Bahodine Majrouh; O Peão Agressivo, de Robert Littell; Férias de Agosto, de Pavese; Cinco Meditações Sobre a Existência, de Nicolau Berdiaev; Antologia poética, de Gunnar Ekelöf; A Europa durante a Reforma, de Geoffrey Rudolph Elton; Dicionário Infernal, de Collin de Plancy; O Amor e o Ocidente, de Denis de Rougemont; Sade, Meu Próximo, de Pierre Klossowski; Imagística do espaço fechado na poesia de Fernando Pessoa, de Leland Robert Guyer; O Vagabundo do Dharma, de Han-Shan; A Vénus de Kazabaïka, de Sacher-Masoch; Ouve-nos senhor do céu que é a tua morada e Através do Canal do Panamá, ambos de Malcolm Lowry; etc.
A Arte de Ana Hatherly
A interação entre a literatura e as artes visuais
Ana Hatherly, in a reinvenção da leitura (pormenor)
Ana Hatherly, Escuta o conto profano, tinta da china s papel, 1998.
Ana Hatherly, Estruturas poeticas - tipo H, 1967.
Ana Hatherly, O meu braço rema no vento, 1959-1969.
Ana Hatherly, Escuta o conto profano, tinta da china s papel, 1998.
Ana Hatherly, Sem título
Ana Hatherly, Sem título, 1975, tinta da China sobre papel
Ana Hatherly, Sem título
Ana Hatherly, Poema da série "O Escritor"
Ana Hatherly, Inspo-expiro, 1959-1969
A Beleza e o Caos
"Criar é organizar, lutar contra a potência do espírito desordenado. Criar beleza é opor a graça à força caótica da fealdade. [...] a beleza se acha confundida na desordem do caos que se mistura ou se misturou à criação divina. [...] Quem sabe se o caos não é se não a memória dos homens, a sua multiplicidade, as diferenças abissais que separam uma alma de outra e todas do conhecimento supremo. Esquecemos?"
Ana Hatherly
em 57, ano IV, n.° 9, Lisboa, Set. 1960, p. 6 e 10.
Ana Hatherly, Sem título, 1972
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