Braga, Portugal
Um Nome
Com os anos, perderas talvez o rumo. Ou era apenas medo, o receio de te medires com os lugares que foram teus e também perdeste. Um dia voltaste. Insanável, o tempo esvaíra-se. Porque tu e o tempo trabalham, bem sabes, em sentidos opostos.
Da casa, hasteada frente ao vento, restavam os pesados alicerces, as paredes ancoradas entre cal e musgo, a pálida face exterior gangrenada. Ruína foi o nome que melhor te serviu, então, para definir com rigor o cenário construído. Para lá da estrada, do outro lado do muro, buscavas as árvores que contigo cresceram e emolduravam a cintura larga do terreno. Da acácia e da figueira, mortas, subsistia a memória crispada das flores de sabão com que lavavas os ócios da infância vivida a tempo inteiro. O velho carvalho, plantando à beira do caminho, projetava sobre as horas a sombra lenta da ausência. Quando o fotografaste, o passado ressurgiu, compacto, no retângulo da moldura verde.
Era outra vez dezembro. Viajavas de novo, sem sustos, ao coração do bosque, lá onde uma noite, te serviram longamente uma rosa de sol embriagada, tinta do sangue espesso das amoras. Sabes hoje que nesse gesto festejavas o sentido e a afirmação da vida, a sua plenitude. Por isso o elegeste como emblema.
Sob a poeira e a cinza do cepo ardido apenas afloravam agora as raízes do cedro castigado pelo aríete do tempo. Morreu o souto, os eucaliptos foram sacrificados, a água da fonte apodreceu. A imagem que ali colhes é um tecido esgarçado de limos e girinos, uma toalha encrespada a que só magoadamente podes limpar o rosto.
Ruína, disseste. Sobre ela colocas uma lápide. Sobre a lápide, um nome.
O teu.
Albano Martins, O Mesmo Nome, Campo das Letras, 1996
Bom Jesus, Braga - Portugal
"Ser poeta", de Albano Martins
(Discurso de Albano Martins no dia da sua homenagem na 1.ª Tertúlia de Poesia Primavera em 21/03/2009)
Já me têm perguntado às vezes em entrevistas:
-Porque é que esteve muito tempo sem publicar nada?
Tudo tem uma explicação, porque entretanto eu terminei o meu curso, tive que trabalhar para ser professor. A universidade dá alguns conhecimentos mas não prepara ninguém para ser professor, pelo menos não preparava naquela altura em mil novecentos e cinquenta e tal, quando saí da Universidade. Tive que trabalhar muito para ser professor até porque quando cheguei ao Liceu de Castelo Branco entregaram-me uma turma de 7.º ano que naquela altura, a disciplina de Português obrigava a conhecer a Literatura Portuguesa toda para poder lecionar esse ano.
Casei, encontrei a minha mulher com quem me casei no ano em que a conheci, amor à primeira vista, amor fatal. Andei a peregrinar, nessa altura era professor eventual e nesse tempo das vacas gordas, que eram mais vacas que gordas, era aquele professor que era despedido ao fim de 10 meses de serviço e no ano seguinte não tinha lugar garantido nos estabelecimentos de ensino. Andava como um saltimbanco de terra em terra e depois fui parar a Viseu, terra da minha mulher. Vim fazer para o Porto o Estágio Pedagógico dos liceus durante dois anos e depois para me efetivar tive que ir para Angra do Heroísmo nos Açores. Portanto andei durante anos tipo saltimbanco de terra em terra e depois nasceu uma filha minha também entretanto. Tudo isso somado dá 17 anos e ao fim de tempo publiquei os poemas que tinha na gaveta, num livro chamado “Coração de Bússola”.
E aqui estou realizado em Vila Nova de Gaia. Comecei a escrever e tenho publicado um livro praticamente todos os anos e hoje tenho 26 ou 27 livros publicados, não sei exatamente os nomes deles, de poesia e mais uns tantos publicados de tradução de poetas não apenas sul-americanos, mas também gregos e espanhóis. Pablo Neruda, o tal Pablo Neruda, o grande poeta Chileno, prémio Nobel da Literatura que morreu no ano em que houve o assalto ao poder no Chile das tropas do General Pinochet que culminou com a morte de Salvador Allende. Passados alguns dias Pablo Neruda morria também.
Portanto tenho uma carreira, entre aspas, porque eu não gosto da palavra aplicada a mim. Eu acho que o escritor não deve ter carreira literária, Fernando Pessoa não teve carreira literária, porque os poetas, rigorosamente os grandes poetas não têm carreira literária, escrevem porque a escrita é uma necessidade, porque é imperioso escrever. Posso até admitir que um romancista faça carreira. Aquilino Ribeiro vivia da escrita, tinha um contrato com a Livraria Sá da Costa ou com a Livraria Bertrand e vivia da escrita, José Saramago creio que vive da escrita, há outros romancistas que vivem da escrita - poeta eu não entendo que viva da escrita. A poesia é uma coisa demasiado séria para estar ao serviço seja do que for, muito menos de uma obrigação qualquer.
Voltando à minha poesia - a critica que dela falam e tem sido abordada pelos mais importantes críticos deste pais, para sorte minha naturalmente, o que dela dizem é variado mas dizem habitualmente isto que me honra, julgam que não, mas honra, que eu sou um clássico.
Não sei se o conceito de clássico está suficientemente esclarecido mas normalmente pensa-se e diz-se que um clássico é um modelo, é aquele que serve de modelo. Camões é um clássico, é um modelo, Fernando Pessoa é hoje um clássico, é um modelo; Homero, o que vem da lá da Grécia Antiga, autor de “Ilidia” e da “Odissseia” é um clássico; Virgílio, o autor da “Eneida” é um clássico; o romano Horácio é um clássico – são modelos, foram modelos – os gregos e os latinos foram modelos.
Quando me chamam um clássico sinto-me envaidecido porque me estão a considerar como modelo. Modelo é aquele que cria epígonos. Quem são os epígonos? São aqueles que tomam como modelo, que seguem como modelo. Há aqueles que se transformam em epígonos de si próprios, isto é, escrevem tanto que se repetem e dizem aquilo que já disseram, que é o risco daqueles que escrevem demasiado.
Na minha poesia dizem que eu sou um clássico e com isso classificam-me e arrumam-me na prateleira, porque não há, bem vistas as coisas, classicismo na poesia que se escreve hoje em dia em Portugal – não há!
Mas dizendo que eu sou um clássico dizem também, já o tem dito e di-lo o grande mestre que é Eduardo Lourenço, que fala do meu romantismo controlado. Romantismo controlado, e lá vem o clássico a controlar o romântico.
O clássico será aquele que usa de uma determinada expressão para um determinado sentimento, para um determinado conteúdo – o conteúdo romântico, o romantismo controlado.
Posso depois ler alguns poemas dos meus quatro livros de amor. Será a minha “Opera omnia” – aos 80 anos de idade que faço no próximo ano, posso não parecer mas faço, aos 80 anos o poeta não sabe se virá a escrever mais algum poema ou um verso e para ficar compilada toda a minha obra no próximo ano e com toda já essa informação – os “Poemas do Retorno” e a “Voz do Chorinho” são dois livros que transmitem o meu espanto, a minha surpresa com a descoberta que eu fiz do Brasil em 1985. Álvares Cabral chegou lá em 1500, eu só cheguei …atrasei-me e só cheguei em 1985 e foi um deslumbramento como toda a gente quando descobre a realidade do Rio de Janeiro. Escrevi dois livros “A voz do chorinho ou os Apelos à memória…” – escrevi-os praticamente nos autocarros, nessa altura eu era inspetor da Direção Geral do Ensino e fazia todos os dias o percurso Gaia - Porto, e nas viagens, em todos os papeis até nos bilhetes de autocarro eu escrevia, o que entretanto me ia na cabeça - era ainda o espanto da descoberta da realidade brasileira.
Publiquei esse livro “A voz do chorinho ou os Apelos à memória…” e depois no ano seguinte um acrescento chamado “Poemas do retorno”, de alguém que regressa e que retorna – uma espécie de apêndice “A voz do Chorinho…”. Esse livro que é como um diário de bordo, uma espécie de roteiro pelo Brasil que eu conheci nessa altura, retirei-o e fiz um escrutínio da minha obra anterior. Escrevi “Assim são as algas” e por demasiado escrúpulo, amigos meus convenceram-me que era necessário recuperar esse livro e concordei com eles e vou inclui-lo no próximo ano no meu novo livro."
Tudo tem uma explicação, porque entretanto eu terminei o meu curso, tive que trabalhar para ser professor. A universidade dá alguns conhecimentos mas não prepara ninguém para ser professor, pelo menos não preparava naquela altura em mil novecentos e cinquenta e tal, quando saí da Universidade. Tive que trabalhar muito para ser professor até porque quando cheguei ao Liceu de Castelo Branco entregaram-me uma turma de 7.º ano que naquela altura, a disciplina de Português obrigava a conhecer a Literatura Portuguesa toda para poder lecionar esse ano.
Casei, encontrei a minha mulher com quem me casei no ano em que a conheci, amor à primeira vista, amor fatal. Andei a peregrinar, nessa altura era professor eventual e nesse tempo das vacas gordas, que eram mais vacas que gordas, era aquele professor que era despedido ao fim de 10 meses de serviço e no ano seguinte não tinha lugar garantido nos estabelecimentos de ensino. Andava como um saltimbanco de terra em terra e depois fui parar a Viseu, terra da minha mulher. Vim fazer para o Porto o Estágio Pedagógico dos liceus durante dois anos e depois para me efetivar tive que ir para Angra do Heroísmo nos Açores. Portanto andei durante anos tipo saltimbanco de terra em terra e depois nasceu uma filha minha também entretanto. Tudo isso somado dá 17 anos e ao fim de tempo publiquei os poemas que tinha na gaveta, num livro chamado “Coração de Bússola”.
E aqui estou realizado em Vila Nova de Gaia. Comecei a escrever e tenho publicado um livro praticamente todos os anos e hoje tenho 26 ou 27 livros publicados, não sei exatamente os nomes deles, de poesia e mais uns tantos publicados de tradução de poetas não apenas sul-americanos, mas também gregos e espanhóis. Pablo Neruda, o tal Pablo Neruda, o grande poeta Chileno, prémio Nobel da Literatura que morreu no ano em que houve o assalto ao poder no Chile das tropas do General Pinochet que culminou com a morte de Salvador Allende. Passados alguns dias Pablo Neruda morria também.
Portanto tenho uma carreira, entre aspas, porque eu não gosto da palavra aplicada a mim. Eu acho que o escritor não deve ter carreira literária, Fernando Pessoa não teve carreira literária, porque os poetas, rigorosamente os grandes poetas não têm carreira literária, escrevem porque a escrita é uma necessidade, porque é imperioso escrever. Posso até admitir que um romancista faça carreira. Aquilino Ribeiro vivia da escrita, tinha um contrato com a Livraria Sá da Costa ou com a Livraria Bertrand e vivia da escrita, José Saramago creio que vive da escrita, há outros romancistas que vivem da escrita - poeta eu não entendo que viva da escrita. A poesia é uma coisa demasiado séria para estar ao serviço seja do que for, muito menos de uma obrigação qualquer.
Voltando à minha poesia - a critica que dela falam e tem sido abordada pelos mais importantes críticos deste pais, para sorte minha naturalmente, o que dela dizem é variado mas dizem habitualmente isto que me honra, julgam que não, mas honra, que eu sou um clássico.
Não sei se o conceito de clássico está suficientemente esclarecido mas normalmente pensa-se e diz-se que um clássico é um modelo, é aquele que serve de modelo. Camões é um clássico, é um modelo, Fernando Pessoa é hoje um clássico, é um modelo; Homero, o que vem da lá da Grécia Antiga, autor de “Ilidia” e da “Odissseia” é um clássico; Virgílio, o autor da “Eneida” é um clássico; o romano Horácio é um clássico – são modelos, foram modelos – os gregos e os latinos foram modelos.
Quando me chamam um clássico sinto-me envaidecido porque me estão a considerar como modelo. Modelo é aquele que cria epígonos. Quem são os epígonos? São aqueles que tomam como modelo, que seguem como modelo. Há aqueles que se transformam em epígonos de si próprios, isto é, escrevem tanto que se repetem e dizem aquilo que já disseram, que é o risco daqueles que escrevem demasiado.
Na minha poesia dizem que eu sou um clássico e com isso classificam-me e arrumam-me na prateleira, porque não há, bem vistas as coisas, classicismo na poesia que se escreve hoje em dia em Portugal – não há!
Mas dizendo que eu sou um clássico dizem também, já o tem dito e di-lo o grande mestre que é Eduardo Lourenço, que fala do meu romantismo controlado. Romantismo controlado, e lá vem o clássico a controlar o romântico.
O clássico será aquele que usa de uma determinada expressão para um determinado sentimento, para um determinado conteúdo – o conteúdo romântico, o romantismo controlado.
Posso depois ler alguns poemas dos meus quatro livros de amor. Será a minha “Opera omnia” – aos 80 anos de idade que faço no próximo ano, posso não parecer mas faço, aos 80 anos o poeta não sabe se virá a escrever mais algum poema ou um verso e para ficar compilada toda a minha obra no próximo ano e com toda já essa informação – os “Poemas do Retorno” e a “Voz do Chorinho” são dois livros que transmitem o meu espanto, a minha surpresa com a descoberta que eu fiz do Brasil em 1985. Álvares Cabral chegou lá em 1500, eu só cheguei …atrasei-me e só cheguei em 1985 e foi um deslumbramento como toda a gente quando descobre a realidade do Rio de Janeiro. Escrevi dois livros “A voz do chorinho ou os Apelos à memória…” – escrevi-os praticamente nos autocarros, nessa altura eu era inspetor da Direção Geral do Ensino e fazia todos os dias o percurso Gaia - Porto, e nas viagens, em todos os papeis até nos bilhetes de autocarro eu escrevia, o que entretanto me ia na cabeça - era ainda o espanto da descoberta da realidade brasileira.
Publiquei esse livro “A voz do chorinho ou os Apelos à memória…” e depois no ano seguinte um acrescento chamado “Poemas do retorno”, de alguém que regressa e que retorna – uma espécie de apêndice “A voz do Chorinho…”. Esse livro que é como um diário de bordo, uma espécie de roteiro pelo Brasil que eu conheci nessa altura, retirei-o e fiz um escrutínio da minha obra anterior. Escrevi “Assim são as algas” e por demasiado escrúpulo, amigos meus convenceram-me que era necessário recuperar esse livro e concordei com eles e vou inclui-lo no próximo ano no meu novo livro."
21/03/2009 - Discurso de Albano Martins no dia da sua homenagem na 1.ª Tertúlia de Poesia Primavera.
Braga - Portugal
Braga é uma cidade portuguesa, fundada pelos romanos como Bracara Augusta, com mais de 2 000 anos de História em constante desenvolvimento, crescimento e expansão. Situada no Norte de Portugal, mais propriamente no Minho sendo a sua capital, considerada a terceira cidade Portuguesa, possui 112 129 habitantes e é sede de um concelho com 181 894 habitantes (2011), sendo o centro da região minhota, com mais de um milhão de habitantes.
Sede das cidades com o título anual de Capital Europeia da Juventude, concedido pelo Forum Europeu da Juventude, é um local cheio de cultura e tradições, onde a História e a religião vivem lado a lado com a indústria tecnológica e com o ensino universitário.
Cidade bimilenar, com um passado guerreiro, é composta maioritariamente por jovens e que sabe e gosta de receber quem a visita. Em Braga, a "Porta está sempre aberta" como sinal de bem receber.
Sede das cidades com o título anual de Capital Europeia da Juventude, concedido pelo Forum Europeu da Juventude, é um local cheio de cultura e tradições, onde a História e a religião vivem lado a lado com a indústria tecnológica e com o ensino universitário.
Cidade bimilenar, com um passado guerreiro, é composta maioritariamente por jovens e que sabe e gosta de receber quem a visita. Em Braga, a "Porta está sempre aberta" como sinal de bem receber.
Mosteiro de Tibães, Braga.
Interior da igreja do Mosteiro de Tibães,
ornamentada com talha de José de Santo António Vilaça.
Braga no vale do rio Este.
Braga no vale do rio Cávado.
Interior da igreja do Mosteiro de Tibães,
ornamentada com talha de José de Santo António Vilaça.
Braga no vale do rio Este.
Braga no vale do rio Cávado.
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