sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

"NATAL DE QUEM?" - Poema de João Coelho dos Santos





NATAL DE QUEM?


Mulheres atarefadas
Tratam do bacalhau,
Do perú, das rabanadas.

-- Não esqueças o colorau,
O azeite e o bolo-rei!

- Está bem, eu sei!

- E as garrafas de vinho?

- Já vão a caminho!

- Oh mãe, estou pr'a ver
Que prendas vou ter.
Que prendas terei?

- Não sei, não sei...

Num qualquer lado,
Esquecido, abandonado,
O Deus-Menino
Murmura baixinho:

- Então e Eu,
Toda a gente Me esqueceu?

Senta-se a família
À volta da mesa.
Não há sinal da cruz,
Nem oração ou reza.
Tilintam copos e talheres.
Crianças, homens e mulheres
Em eufórico ambiente.
Lá fora tão frio,
Cá dentro tão quente!

Algures esquecido,
Ouve-se Jesus dorido:
- Então e Eu,
Toda a gente Me esqueceu?

Rasgam-se embrulhos,
Admiram-se as prendas,
Aumentam os barulhos
Com mais oferendas.
Amontoam-se sacos e papeis
Sem regras nem leis.
E Cristo Menino
A fazer beicinho:
- Então e Eu,
Toda a gente Me esqueceu?

O sono está a chegar.
Tantos restos por mesa e chão!
Cada um vai transportar
Bem estar no coração.
A noite vai terminar
E o Menino, quase a chorar:
- Então e Eu,
Toda a gente Me esqueceu?
Foi a festa do Meu Natal
E, do princípio ao fim,
Quem se lembrou de Mim?
Não tive teto nem afeto!

Em tudo, tudo, eu medito
E pergunto no fechar da luz:

- Foi este o Natal de Jesus?!!!


João Coelho dos Santos
in Lágrima do Mar, 1996


João Coelho dos Santos nasceu em Lourosa, Santa Maria da Feira, a 14 de Agosto de 1939.
Aos onze anos de idade ficou órfão de Mãe. Passou a viver em Lisboa tendo estudado no Colégio “O Académico”, no Liceu Camões e na Faculdade de Direito de Lisboa.
Foi, durante quase vinte e três anos, Secretário Geral do ACP - Automóvel Club de Portugal e, durante dois mandatos, Vereador do CDS na Câmara Municipal de Lisboa. Está ligado a várias Associações Poéticas e Culturais. Atual membro de “Os Confrades da Poesia”. É autor de diversos livros de poesia, de teatro, de biografias históricas e de um didáctico.




A Arma Diabólica do Ritual
 por


"A ânsia pelo ritual e pelas cerimónias é forte e generalizada. Quanto é forte e está largamente espalhada vê-se pelo ardor com que homens e mulheres que não têm nenhuma religião ou têm uma religião puritana sem ritual se agarram a qualquer oportunidade para participarem em cerimónias, sejam elas de que espécie forem. A Ku Klu Klan nunca teria conseguido o seu êxito do pós-guerra se se aferrasse aos trajes civis e às reuniões de comissões. Os Srs. Simmons e Clark, os ressuscitadores daquela notável organização, compreendiam o seu público. Insistiram em estranhas cerimónias noturnas nas quais os trajes de fantasia não eram facultativos mas sim obrigatórios. O número de sócios subiu aos saltos e baldões. O Klan tinha um objetivo: o seu ritual simbolizava alguma coisa. Mas para uma multidão ritofaminta a significação é aparentemente supérflua. A popularidade dos cânticos em comunidade mostram que o rito, como tal, é o que o público quer. Desde que seja impressivo e provoque uma emoção, o rito é bom em si próprio. Não interessa nada o que ele possa significar. À cerimónia dos cânticos em comunidade falta todo o significado filosófico, não tem nenhuma ligação com qualquer sistema de ideias. É simplesmente ela própria e mais nada. Os rituais tradicionais da religião e da vida quotidiana sumiram-se deste mundo vastamente. Mas o seu desaparecimento causou pena. Sempre que as pessoas têm oportunidade, tentam satisfazer a sua fome cerimonial, mesmo que o rito com que a mitigam seja inteiramente destituído de significado."

 
Aldous Huxley, in "Sobre a Democracia e Outros Estudos" 
 

 Aldous Huxley
 
 
Aldous Leonard Huxley (Godalming, 26 de Julho de 1894 — Los Angeles, 22 de Novembro de 1963) foi um escritor inglês e um dos mais proeminentes membros da família Huxley. Passou parte da sua vida nos Estados Unidos, e viveu em Los Angeles de 1937 até a sua morte, em 1963. Mais conhecido pelos seus romances, como Admirável Mundo Novo e diversos ensaios, Huxley também editou a revista Oxford Poetry e publicou contos, poesias, literatura de viagem e guiões de filmes.
Foi um entusiasta do uso responsável do LSD como catalisador dos processos mentais do indivíduo, em busca do ápice da condição humana e de maior desenvolvimento das suas potencialidades.
 
 


“A filosofia de uma pessoa não é melhor expressa em palavras; ela é expressa pelas escolhas que a pessoa faz. A longo prazo, moldamos nossas vidas e moldamos a nós mesmos. O processo nunca termina até que morramos. E, as escolhas que fizemos são, no final das contas, nossa própria responsabilidade.” - Eleanor Roosevelt
 
 

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