segunda-feira, 31 de maio de 2021

"Sonhos da Menina" - Poema de Cecília Meireles


 
William-Adolphe Bouguereau (1825-1905), "Fraternal Love", 1851
 


Sonhos da Menina


A flor com que a menina sonha
está no sonho?
ou na fronha?

Sonho
risonho:

O vento sozinho
no seu carrinho.

De que tamanho
seria o rebanho?

A vizinha
apanha
a sombrinha
 de teia de aranha...

Na lua há um ninho
de passarinho.

A lua com que a menina sonha
é o linho do sonho
ou a lua da fronha? 


Cecília Meireles
 
 
 
William-Adolphe Bouguereau, The two sisters, 1877 
 

Dia dos Irmãos 


 
O Dia dos Irmãos comemora-se em Portugal no dia 31 de maio.

O principal objetivo da data é relembrar a importância que os irmãos têm na formação pessoal de todos os indivíduos, celebrando e homenageando os irmãos. 

Irmãos fazem parte da história pessoal de quem os têm, em grande parte das vezes partilham memórias de infância e são os primeiros amigos.

O Dia dos Irmãos, a 31 de maio, é a celebração que encerra aquele que é considerado o Mês da Família.

A celebração, que acontece em Portugal nesta data desde 2014 e é iniciativa da European Large Families Confederation (ELFAC), tem em como principal promotora em Portugal a Associação Portuguesa de Famílias Numerosas. (Daqui)


William-Adolphe Bouguereau
, Inspiration, 1898



O Haikai


Lava, escorre, agita
a areia. E, enfim, na bateia
fica uma pepita.

Guilherme de Almeida,
Poesia Vária (1925) - Os Meus Haikais

 

quarta-feira, 26 de maio de 2021

"Devagar" - Poema de Maria do Rosário Pedreira


Helen Frankenthaler (1928 - 2011, American abstract expressionist painter),
Summer Picture, 1959. Oil, crayon and collage on paper.
 
 
 
Devagar


Nada entre nós tem o nome da pressa.
Conhecemo-nos assim, devagar, o cuidado
traçou os seus próprios labirintos. Sobre a pele
é sempre a primeira vez que os gestos acontecem. Porém,

se se abrir uma porta para o verão, vemos as mesmas coisas –
o que fica para além da planície e da falésia; a ilha,
um rebanho, um barco à espera de partir, uma palavra
que nunca escreveremos. Entre nós

o tempo desenha-se assim, devagar.
Daríamos sempre pelo mais pequeno engano. 
 
 
Helen Frankenthaler, Cool Summer, 1962, Oil on canvas


“Vivemos tempos sem empatia, pela falta de leitura e excesso de digitalização, o que nos torna menos humanos.” 

(Maria do Rosário Pedreira)


domingo, 9 de maio de 2021

"Homens do futuro" - Poema de José Gomes Ferreira


Salvador Dalí, Criança geopolítica observando o nascimento do Homem Novo, 1943
[Elaborada durante a Segunda Guerra Mundial, a pintura transmite a preocupação do artista com o futuro 
da humanidade diante da perspectiva sombria da época.] 
 


 Homens do futuro

 
Homens do futuro:

ouvi, ouvi este poeta ignorado
que cá de longe fechado numa gaveta
no suor do século vinte
rodeado de chamas e de trovões,
vai atirar para o mundo
versos duros e sonâmbulos como eu.
Versos afiados como dentes duma serra em mãos de injúria.
Versos agrestes como azorragues de nojo.
Versos rudes como machados de decepar.
Versos de lâmina contra a Paisagem do mundo
— essa prostituta que parece andar às ordens dos ricos
para adormecer os poetas.

Fora, fora do planeta,
tu, mulher lânguida
de braços verdes
e cantos de pássaros no coração!

Fora, fora as árvores inúteis
— ninfas paradas
para o cio dos faunos
escondidos no vento...

Fora, fora o céu
com nuvens onde não há chuva
mas cores para quadros de exposição!

Fora, fora os poentes
com sangue sem cadáveres
a iludiremos de campos de batalha suspensos!

Fora, fora as rosas vermelhas,
flâmulas de revolta para enterros na primavera
dos revolucionários mortos na cama!

Fora, fora as fontes
com água envenenada da solidão
para adormecer o desespero dos homens!

Fora, fora as heras nos muros
a vestirem de luz verde as sombras dos nossos mortos sempre
de pé!

Fora, fora os rios
a esquecerem-nos as lágrimas dos pobres!

Fora, fora as papoilas,
tão contentes de parecerem o rosto de sangue heróico dum
fantasma ferido!

Fora, fora tudo o que amoleça de afrodites
a teima das nossas garras
curvas de futuro!

Fora! Fora! Fora! Fora!

Deixem-nos o planeta descarnado e áspero
para vermos bem os esqueletos de tudo, até das nuvens.
Deixem-nos um planeta sem vales rumorosos de ecos húmidos
nem mulheres de flores nas planícies estendidas.
Uma planeta feito de lágrimas e montes de sucata
com morcegos a trazerem nas asas a penumbra das tocas.
E estrelas que rompem do ferro fundente dos fornos!
E cavalos negros nas nuvens de fumo das fábricas!
E flores de punhos cerrados das multidões em alma!
E barracões, e vielas, e vícios, e escravos
a suarem um simulacro de vida
entre bolor, fome, mãos de súplica e cadáveres,
montes de cadáveres, milhões de cadáveres, silêncios de cadáveres
e pedras!

Deixem-nos um planeta sem árvores de estrelas
a nós os poetas que estrangulamos os pássaros
para ouvirmos mais alto o silêncio dos homens
— terríveis, à espera, na sombra do chão
sujo da nossa morte.
 

 
 
José Gomes Ferreira
 
 
José Gomes Ferreira, poeta militante da palavra
 
Com as palavras, "espadas de papelão", construiu sonhos, utopias, futuros de liberdade. José Gomes Ferreira dizia-se "militante da poesia total", ofício de homem e poeta abraçados na missão de mudar o mundo. Histórias, memórias e versos confirmam o ideal.
 

José Gomes Ferreira (1900-1985) transportava em si a força dos que não desistem do sonho. Queria salvar o mundo, fazer desaparecer a pobreza, as injustiças, a violência, os dramas que mutilam vidas e vontades. A todo este “real quotidiano” fica atento desde muito cedo o futuro poeta, nascido em 1900 no Porto, na proletária rua das Musas (que recordará em algumas poesias). Do pai, republicano e maçon, herda o exemplo combativo contra o fascismo e as preocupações sociais. José irá ser um defensor de causas empenhado, fazendo das palavras a sua arma mais poderosa.

Antes de começar a corrigir injustiças com metáforas, Gomes Ferreira convenceu-se que a sua vocação passava pelo Direito e empreendeu uma carreira diplomática na Noruega, curta, mas eficaz a comprovar o erro. Tem 30 anos quando regressa Lisboa com a certeza de que a única coisa que o interessa é, como tinha sido sempre, a literatura. Começa a escrever sobre cinema, colabora em várias publicações, é jornalista, tradutor. Depois, desafiado por amigos, começa a publicar o que há muito fechava em gavetas: poesia, ficção, contos, memórias.

Nesta viagem das palavras, que o afirmou como uma das vozes mais importantes do século XX português, José Gomes Ferreira deixou obras intemporais como “Lírio do Monte”“Aventuras Maravilhosas de João sem Medo”, “O Irreal Quotidiano”“O Mundo dos Outros”, “O Tempo Escandinavo”, ou “A Memória das Palavras”, entre outras. (Daqui)

quarta-feira, 5 de maio de 2021

"Paixão" - Poema de Gilberto Mendonça Teles

 
Frederick Goodall (British painter, 1822–1904), Rebecca at the Well


Paixão
 
— Quanto dura uma paixão?

Uma paixão não dura nada, apenas
a eternidade simples de um sorriso
que, por ser belo, e possuir antenas
capta constantemente o paraíso.

Uma paixão é sempre um peixe grande,
uma alegria que se torna amarga
quando se perde a noite e, na manhã
de sol, se perde o anzol na linha larga.

Nem adianta, aí, mudar de isca,
cevar o poço e procurar no fundo:
o peixe da paixão é sombra arisca
na melhor pescaria deste mundo.

Ela não dura muito e, por ser peixe,
não dura na emoção, não dura nada:
se se perde no fundo, é sempre um feixe
de luz
                   — alguma escama nacarada,
caco de vidro, areia no sol quente
que cintila e se apaga, de repente.  
 
 
 in Linear G, Poemas 2002-2009
 
 
Frederick Goodall, Passionate encounter, s/d
 
 
Paixão: o poderoso sentimento que nos faz perder a razão

sábado, 1 de maio de 2021

"Alimentar o Amor" - Crónica de Miguel Esteves Cardoso

 
 
Isaac Levitan, Above the Eternal Tranquility, 1894

Alimentar o Amor

 
Começar é fácil. Acabar é mais fácil ainda. Chega-se sempre à primeira frase, ao primeiro número da revista, ao primeiro mês de amor. Cada começo é uma mudança e o coração humano vicia-se em mudar. Vicia-se na novidade do arranque, do início, da inauguração, da primeira linha na página branca, da luz e do barulho das portas a abrir.
Começar é fácil. Acabar é mais fácil ainda. Por isso respeito cada vez menos estas atividades. Aprendi que o mais natural é criar e o mais difícil de tudo é continuar. A atividade que eu mais amo e respeito é a atividade de manter.

Em Portugal quase tudo se resume a começos e a encerramentos. Arranca-se com qualquer coisa, de qualquer maneira, com todo o aparato. À mínima comichão aparece uma «iniciativa», que depois não tem prosseguimento ou perseverança e cai no esquecimento. Nem damos pela morte.
É por isso que eu hoje respeito mais os continuadores que os criadores. Criadores não nos faltam. Chefes não nos faltam. Faltam-nos continuadores. Faltam-nos tenentes. Heróis não nos faltam. Faltam-nos guardiões.

É como no amor. A manutenção do amor exige um cuidado maior. Qualquer palerma se apaixona, mas é preciso paciência para fazer perdurar uma paixão. O esforço de fazer continuar no tempo coisas que se julgam boas — sejam amores ou tradições, monumentos ou amizades — é o que distingue os seres humanos. O nascimento e a morte não têm valor — são os fados da animalidade. Procriar é bestial. O que é lindo é educar.
Estou um pouco farto de revolucionários. Sei do que falo porque eu próprio sou revolucionário. Como toda a gente. Mudo quando posso e, apesar dos meus princípios, não suporto a autoridade.

É tão fácil ser rebelde. Pica tão bem ser irreverente. Criar é tão giro. As pessoas adoram um gozão, um malcriado, um aventureiro. É o que eu sou. Estas crónicas provam-no. Mas queria que mostrassem também que não é isso que eu prezo e que não é só isso que eu sou.
Se eu fosse forte, seria um verdadeiro conservador. Mudar é um instinto animal. Conservar, porque vai contra a natureza, é que é humano. Gosto mais de quem desenterra do que de quem planta. Gosto mais do arqueólogo do que do arquiteto. Gosto de académicos, de colecionadores, de bibliotecários, de antologistas, de jardineiros.

Percebo hoje a razão por que Auden disse que qualquer casamento duradoiro é mais apaixonante do que a mais acesa das paixões. Guardar é um trabalho custoso. As coisas têm uma tendência horrível para morrer. Salvá-las desse destino é a coisa mais bonita que se pode fazer. Haverá verbo mais bonito do que «salvaguardar»? É fácil uma pessoa bater com a porta, zangar-se e ir embora. O que é difícil é ficar. Isto ensinou-me o amor da minha vida, rapariga de esquerda, a mim, rapaz conservador. É por esta e por outras que eu lhe dedico este livro, que escrevi à sombra dela.

Preservar é defender a alma do ataque da matéria e da animalidade. Deixadas sozinhas, as coisas amarelecem, apodrecem e morrem. Não há nada mais fácil do que esquecer o que já não existe. Começar do zero, ao contrário do que sempre pretenderam todos os revolucionários do mundo, é gratuito. Faz com que não seja preciso estudar, aprender, respeitar, absorver, continuar. Criar é fácil. As obras de arte criam-se como as galinhas. O difícil é continuar. 

 

 

[Entre 1988 e 1990, Miguel Esteves Cardoso, diretor do semanário O Independente, escreveu e publicou nesse jornal a série de crónicas “As minhas aventuras na república portuguesa”. A reunião destes textos em volume homónimo, ainda durante 1990 e antes do fim da série no jornal, mostra bem a popularidade de que gozavam. “As minhas aventuras na república portuguesa” são um olhar distanciado, crítico e divertido sobre o Portugal recém-entrado na CEE. Contra o discurso efusivo do “Portugal na CEE” e contra o discurso da crise, que tende a mitificar o passado glorioso, estas crónicas pedem ao leitor que corrija o seu olhar face à realidade e aceite Portugal tal como é. (daqui)]
 
Sinopse
 
sinopse

"sinopse", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/sinopse [consultado em 01-05-2021].
sinopse

"sinopse", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/sinopse [consultado em 01-05-2021].
Miguel Esteves Cardoso reúne um conjunto de aventuras observadas por si, adicionando, peneirando, mexendo e acrescentando, como lhe é característico, pitadas de sal e pimenta. O resultado é delicioso, ou antes, "uma série de começos contrariados", como o próprio afirma no prefácio.
Neste livro ('As Minhas Aventuras na República Portuguesa')  encontramos duas personalidades distintas: o autor enquanto escritor e o autor enquanto observador, com experiências distintas, mas complementares, originando crónicas em que a irreverência e a ironia, mas também a profundidade e o sentimento, são constantes.
O livro descreve o simples, mas complexo quotidiano: "É como no amor. A manutenção do amor exige um cuidado maior. Qualquer palerma se apaixona, mas é preciso paciência para fazer perdurar uma paixão. O esforço de se fazer continuar no tempo coisas que se julgam boas" sejam amores ou tradições, monumentos ou amizades "é o que distingue os seres humanos". (Daqui)



Isaac Levitan, Spring, High Waters, 1897


Eleve as suas palavras, não a sua voz. É a chuva que faz florescer, não o trovão.” 
 
 
 
Issac Levitan, Water lilies, 1895
 

"A alegria é como a água clara e pura, onde ela flui, flores maravilhosas crescem... 
A tristeza é como um rio negro, onde flui ele murcha as flores."