quinta-feira, 16 de junho de 2022

"Futuro" - Poema de João Cabral do Nascimento

 
Gregorio Prieto (Valdepeñas, 1897-1992), El centro del mundo, c. 1965. Óleo sobre lienzo.
Museo Gregorio Prieto
 


 Futuro

O que há de vir é belo
(Pensamos). Belo e ardente.
Fosse o futuro assim!
Pudesse agora tê-lo!
Agora, – e o Presente
Deixá-lo para o fim.

O dia de amanhã?
Ilusão. Frioleiras.
Pois bem: quem o tivera
Já gasto em cinza vã,
Em vez de, à sua espera,
Ficar a vida inteira!

Amanhã: dia de hoje
Que não chegou ainda.
Seja! Mas foge
A vida, antes que venha!
A sua face é linda.
Pena que se detenha.

Há de vir, certamente,
Daqui a muitos anos.
Todavia no mundo
Só haverá presente.
Enganos. Desenganos.
Um silêncio profundo.

Dia tão indeciso,
Tão cheio de mistério!
Virá pelo Outono,
Quando não for preciso,
Acordar-me do sono,
Talvez no cemitério.


João Cabral do Nascimento,
em 'Cancioneiro', 1943

 

 
Gregorio Prieto, Tres cosas a conseguir, c. 1970 , Técnica mixta sobre papel, Collage.
Museo Gregorio Prieto
 
 
"O futuro é construído pelas nossas decisões diárias, inconstantes e mutáveis, e cada evento influencia todos os outros."  
 

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