sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

"Repenso o mundo" - Poema de Wisława Szymborska

 

Henri-Edmond Cross (French painter, 1856–1910), Landscape with Stars, c. 1905-1908,
Watercolor on paper, 24,4 x 32 cm. Metropolitan Museum of Art, New York City
 


Repenso o mundo


Repenso o mundo, segunda edição,
segunda edição corrigida,
aos idiotas o riso,
aos tristes o pranto,
aos carecas o pente,
aos cães botas.

Eis um capítulo:
A Fala dos Bichos e das Plantas,
com um glossário próprio
para cada espécie.
Mesmo um simples bom-dia
trocado com um peixe,
a ti, ao peixe, a todos
na vida fortalece.

Essa há muito pressentida,
de súbito revelada,
improvisação da mata.
Essa épica das corujas!
Esses aforismos do ouriço
compostos quando imaginamos
que, ora, está só adormecido!

O tempo (capítulo dois)
tem direito de se meter
em tudo, coisa boa ou má.
Porém — ele que pulveriza montanhas
remove oceanos e está
presente na órbita das estrelas,
não terá o menor poder
sobre os amantes, tão nus
tão abraçados, com o coração alvoroçado
como um pardal na mão pousado.

A velhice é uma moral
só na vida de um marginal.
Ah, então todos são jovens!
O sofrimento (capítulo três)
não insulta o corpo.
A morte
chega com o sono.

E vais sonhar
que nem é preciso respirar,
que o silêncio sem ar
não é uma música má,
pequeno como uma fagulha,
a um toque te apagarás.

Morrer, só assim. Dor mais dolorosa
tiveste segurando nas mãos uma rosa
e terror maior sentiste ao som
de uma pétala caindo no chão.

O mundo, só assim. Só assim
viver. E morrer só esse tanto.
E todo o resto — é como Bach
tocado por um instante
num serrote.
 
 
Seleção, tradução e prefácio de Regina Przybycien
São Paulo : Companhia das Letras, 2011
 
 
 Henri-Edmond Cross, Les cyprès à Cagnes, 1908, Huile sur toile, 81 x 100 cm,  
Musée d'Orsay, Paris
 
  
"Um homem pode fracassar muitas vezes, mas só é um fracassado quando começa a culpar outra pessoa."

(John Burroughs)
 
 
 Henri-Edmond Cross, L'Air du soir, c. 1893, Huile sur toile, 116 x 166 cm, 
 

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