sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

"Loa" e "Natal" - Poemas de Miguel Torga


 
Ambrogio Bergognone (Italian painter of the Renaissance, c. 1470-1523),
The Virgin and Child with Saints, c.1490, London, National Gallery
 


LOA


É nesta mesma lareira,
E aquecido ao mesmo lume,
Que confesso a minha inveja
De mortal
Sem remissão
Por esse dom natural,
Ou divina condição,
De renascer cada ano,
Nu, inocente e humano
Como a fé te imaginou,
Menino Jesus igual
Ao do Natal
Que passou.

Miguel Torga, in 'Diário XI', 1969

 


Ambrogio Bergognone, The Virgin and Child, 1940,
London,
National Gallery
 

Natal



Soa a palavra nos sinos,
E que tropel nos sentidos,
Que vendaval de emoções!
Natal de quantos meninos
Em nudez foram paridos
Num presépio de ilusões.

Natal da fraternidade
Solenemente jurada
Num contraponto em surdina.
A imagem da humanidade
Terrenamente nevada
Dum halo de luz divina.

Natal do que prometeu,
Só bonito na lembrança.
Natal que aos poucos morreu
No coração da criança,
Porque a vida aconteceu
Sem nenhuma semelhança.


Miguel Torga, in 'Diário XII', 1974
 

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