sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

"Saí do comboio" - Poema de Álvaro de Campos / Fernando Pessoa


Camille Pissarro (Danish-French Impressionist and Neo-Impressionist painter, 1830-1903), Lordship Lane Station
East Dulwich, London, England, c. 1870. (Impressionism)
 


Saí do comboio


Saí do comboio,
Disse adeus ao companheiro de viagem
Tínhamos estado dezoito horas juntos..
A conversa agradável
A fraternidade da viagem.
Tive pena de sair do comboio, de o deixar.
Amigo casual cujo nome nunca soube.
Meus olhos, senti-os, marejaram-se de lágrimas...
Toda despedida é uma morte...
Sim toda despedida é uma morte.
Nós no comboio a que chamamos a vida
Somos todos casuais uns para os outros,
E temos todos pena quando por fim desembarcamos.

Tudo que é humano me comove porque sou homem.
Tudo me comove porque tenho,
Não uma semelhança com ideias ou doutrinas,
Mas a vasta fraternidade com a humanidade verdadeira.

A criada que saiu com pena
A chorar de saudade
Da casa onde a não tratavam muito bem...

Tudo isso é no meu coração a morte e a tristeza do mundo.
Tudo isso vive, porque morre, dentro do meu coração.

E o meu coração é um pouco maior que o universo inteiro. 

4-7-1934

Álvaro de Campos
- Livro de Versos . Fernando Pessoa.
(Edição crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes.)
 Lisboa: Estampa, 1993. - 187.
 
 

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