sábado, 24 de dezembro de 2022

"Natal de ontem e de hoje" - Poema de Bastos Tigre


Charles Green (British watercolourist and illustrator, 1840–1898), Christmas comes but once a year!, from the 
 Pears' Annual, Christmas, 1896. (Christmas celebration, with servant carrying pudding to dining table.)


Natal de ontem e de hoje


Natal! Vocábulo sonoro,
Com ressonâncias de cristal!
Amo o Natal; amo e adoro
O doce nome de “Natal”.

Ouvi-lo é ter no ouvido, ecoando
A voz dos sinos, no arraial,
Alegremente repicando
A excelsitude do Natal!

Missa do galo. Espouca e brilha
O foguetório, a salva real…
Fulge o painel. Que maravilha!
Jesus nasceu: — Natal! Natal!

Ding-din! Ding-don! — repicam os sinos!
Vozes elevam-se em coral,
Desafinando ingénuos hinos
Em honra a Cristo e ao seu Natal.

Dança, presépios, pastorinhas
No pastoril de João de tal —
E, entre vizinhos e vizinhas,
Os namoricos de Natal.

Castanhas, nozes, rabanadas,
Do velho tom tradicional,
De fino açúcar polvilhadas
Tendo a doçura do Natal.

E da família o quadro lindo
Da vasta mesa patriarcal
E a avó velhinha, repartindo
O imenso bolo de Natal.

Mudou o Natal. Que há que não mude
Neste vaivém universal?
Foi-se a simpleza ingénua e rude
Das idas festas de Natal.

Hoje, entre as luzes da cidade
Cosmopolita e colossal
A luz da Light a noite invade
E nem se vê vir o Natal.

Há o reveillon, francês em nome,
Yankee no fundo comercial;
Faga-se quanto se consome
A preços próprios do Natal.

Em vez da viola e da sanfona,
Em tom menor, sentimental,
Uma “ortofónica” ortofona
Um feroz fox infernal.

Há nos hotéis e clubs chics
Festas de um tom convencional
Sem foguetório e sem repiques —
Que nem são festas de Natal!

Corre champagne, em vez do verde,
Do carrascão de Portugal.
(Sem o verdasco o que há de ser de
Ti, ó consoada de Natal).

E até há gaitas, serpentinas,
Como se fora um carnaval!
Vocês, rapazes e meninas,
Não têm ideia do Natal!

Chego a pensar que o próprio Cristo,
O de Belém, o do curral,
Lá do alto, olhando para isto,
Não reconhece o seu Natal.

E, então, fechando a azul esfera,
Se esconde além do último “astral”
E, por castigo, delibera
Não nascer mais pelo Natal.


Bastos Tigre
(1882-1957),
em Antologia poética, vol 2,
Rio de Janeiro, Francisco Alves: 1982.



Priscilla Pointer
 (American artist and illustrator, 1924), Christmas Wish


Deus na Terra... Eis o Natal!
Repicam sinos... Festanças...
Feriado nacional
no coração das crianças!


(J. G. de Araújo Jorge)


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