segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

"Lavava no rio lavava" - Poema de Amália Rodrigues

Washerwomen of Fouesnant, 1869, Memorial Art Gallery.


Lavava no rio lavava

 
Lavava no rio, lavava
Gelava-me o frio, gelava,
Quando ia ao rio lavar.
Passava fome, passava,
Chorava, também chorava,
Ao ver minha mãe chorar!

Cantava, também, cantava!
Sonhava, também, sonhava!
E, na minha fantasia,
Tais coisas fantasiava,
Que esquecia que chorava,
Que esquecia que sofria!

Já não vou ao rio lavar,
Mas continuo a chorar!
Já não sonho o que sonhava!
Já não lavo no rio!
Por que me gela este frio
Mais do que então gelava?

Ai, minha mãe, minha mãe
Que saudades desse bem,
Do mal que então conhecia!
Dessa fome que eu passava,
Do frio que nos gelava,
E da minha fantasia!

Já não temos fome, mãe!
Mas já não temos também
O desejo de a não ter!
Já não sabemos sonhar,
Já andamos a enganar
O desejo de morrer!

Ed. Livros Cotovia
 

Amália Rodrigues - Fado: 'Lavava no Rio, Lavava'
 
 
Ícone do Fado, Amália Rodrigues (1920-1999) é uma das personalidades mais importantes da história da música do século xx. Desde a sua estreia profissional, em 1939, no Retiro da Severa, Amália foi um fenómeno de popularidade: arrebatou plateias, acendeu paixões e suscitou os mais animados debates. No pós-guerra, era já a grande figura de referência no panorama musical português. Mas também a sua carreira internacional foi apoteótica: o mundo foi o seu palco natural e a sua voz o instrumento privilegiado para cantar toda a poesia portuguesa, do repertório trovadoresco e renascentista à criação literária contemporânea. Popular e erudito, moderno e intemporal, o legado de Amália Rodrigues devolve ao nosso imaginário a poderosa imanência dos grandes temas da cultura portuguesa. (daqui)

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