sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

"Metamorfose" - Poema de Jorge de Sena


Armando Aguiar (Pintor português, n. 1964), Rua e Igreja e Torre dos Clérigos, Porto
 
 
 
Metamorfose


Para a minha alma eu queria uma torre como esta,
assim alta,
assim de névoa acompanhando o rio.

Estou tão longe da margem que as pessoas passam
e as luzes se refletem na água.

E, contudo, a margem não pertence ao rio
nem o rio está em mim como a torre estaria
se eu a soubesse ter…
uma luz desce o rio
gente passa e não sabe
que eu quero uma torre tão alta que as aves não passem
as nuvens não passem
tão alta tão alta
que a solidão possa tornar-se humana.
 
25/10/42

Jorge de Sena
, in Coroa da terra. 
Porto: Lello & Irmão, 1946
 
 

 
Jorge de Sena, Coroa da terra.
Edição/reimpressão: 05-2021
Editor: Assírio & Alvim
 
 
SINOPSE
 
É com certo arrepio que se lê a crueza de Jorge de Sena nas páginas de Coroa da Terra (1946), o seu segundo livro de poesia, dedicado à Cidade do Porto, o palco da sua errância. Mostra-se assim a visão de Sena, nas palavras de Francisco Cota Fagundes, como «uma poesia por vezes intencionalmente rude e nunca de bibelot d’inatité sonore […] que se fosse música, seria um longo e persistente réquiem dilacerante […] poemas em que a criança é um dos temas dominantes, como dominante e marcante é o seu carácter de poesia de resistência e de empenho».
 
 “Para a minha alma eu queria uma torre como esta, /assim alta, /assim de névoa acompanhando o rio […]”. Estes versos de Jorge de Sena em Metamorfose conduzem-nos até à Torre dos Clérigos, um dos elementos mais emblemáticos da cidade, cuja imponência inspirou o poeta. O autor estudou no Porto e, durante esse período, escreveu Coroa da Terra (1946), obra da qual faz parte Metamorfose e onde faz uma dedicatória “à cidade onde este livro foi, na sua maior parte, vivido e escrito […]”. (daqui)
 
 

Mota Urgeiro (Pintor português, n. 1946), Clérigos, Porto, Portugal
 
 
[O conjunto arquitetónico dos Clérigos, que integra a Torre, a Igreja e um Museu, é, de facto, local de passagem obrigatória para todos os que visitam a cidade do Porto. A Igreja e a Torre integram uma edificação do século XVIII, de inspiração barroca, que marcou a configuração urbana da cidade e, em 1910, foi classificada como Monumento Nacional. Nicolau Nasoni projetou-a com genialidade, criando numa rua desnivelada um edifício de referência, que pode ver-se de quase toda a cidade.
Igreja e Torre estão unidas pela Casa da Irmandade que, desde 2014, está aberta ao público como Museu, com uma exposição que convida a uma viagem pelo tempo e pelo espaço, pela imagem e pela devoção.(daqui)]
 

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