terça-feira, 5 de agosto de 2025

"Retrato do povo de Lisboa" - Poema de Ary dos Santos

 
 
Inês Dourado (Pintora portuguesa, n. 1958), "Lisboa de Luz e Cor" (Lisboa, Portugal), 2021. 
Aguarela e guache sobre papel, 39,5 x 57 cm.



Retrato do povo de Lisboa


É da torre mais alta do meu pranto
que eu canto este meu sangue este meu povo.
Dessa torre maior em que apenas sou grande
por me cantar de novo.

Cantar como quem despe a ganga da tristeza
e põe a nu a espádua da saudade
chama que nasce e cresce e morre acesa
em plena liberdade.

É da voz do meu povo uma criança
seminua nas docas de Lisboa
que eu ganho a minha voz
caldo verde sem esperança
laranja de humildade
amarga lança
até que a voz me doa.

Mas nunca se dói só quem a cantar magoa
dói-me o Tejo vazio dói-me a miséria
apunhalada na garganta.

Dói-me o sangue vencido a nódoa negra
punhada no meu canto.


Ary dos Santos, in "Fotos-grafias", 1970.



Inês Dourado, "Lisboa Luminosa e Colorida", 2022. Óleo em tela, 50x60 cm.
 

"Lisboa [...] onde todos os que bebem água, não tem mais de um estreito chafariz para tanta gente [...] e deve de trazer a Lisboa 'Água Livre' que de duas léguas dela trouxeram os Romanos, por condutas debaixo da terra, subterrâneos furando muitos montes e com muito gasto e trabalho." 

 
 

Aqueduto das Águas Livres em Campolide Lisboa em 1905.
Postal Ilustrado - Fototipia Animada, Edições Martins
 (daqui)


Aqueduto das Águas Livres

A condução da água em canais remonta já à Antiguidade. Os Fenícios foram mestres nas construções subterrâneas. Por outro lado, os canais à superfície, apoiados em arcadas, são invenção dos Romanos.

Em Portugal, a influência romana faz-se sentir tanto pelas ruínas arqueológicas, por exemplo, o Aqueduto de Conímbriga, como também pelo fascínio dos governantes da Idade Moderna pela Antiguidade. Assim, aparece-nos o aqueduto como paradigma das obras públicas.

Em 1571, no tratado "Da fábrica que falece a cidade de Lisboa", de Francisco de Holanda, aparece a primeira referência ao aqueduto, numa tentativa de fazer chegar a Lisboa a água das fontes das águas livres, no Vale do Carenque. As obras, essas só viriam a ter início século e meio mais tarde, por alvará régio de D. João V.
Em agosto de 1732, o arquiteto italiano António Canevari dirige o projeto, tendo sido posteriormente afastado e substituído, em 1733, por José da Silva PaisManuel da Maia e Custódio Vieira. Coube a Manuel da Maia o comando dos trabalhos até 1736; a partir daí foi Custódio Vieira a dirigir a obra.

O Aqueduto das Águas Livres tem uma extensão - incluindo todos os ramais - de 58 135 metros, possuindo 137 claraboias - que serviam para ventilar os canais -, 35 arcos (14 em ogiva e os restantes de volta perfeita), tendo o central um vão de 29 metros de largura por 65 de altura, o que o torna o maior arco em pedra construído em todo o mundo. O Aqueduto abastecia 34 chafarizes.
Mãe de Água das Amoreiras é o nome dado ao reservatório que recebia e distribuía as águas canalizadas pelo aqueduto aos chafarizes. Este edifício, que servia de término ao Aqueduto, foi da responsabilidade do arquiteto Carlos Mardel (bem como o Arco das Amoreiras) e só foi concluído em 1834.

É sob a direção de Carlos Mardel que, em 1748, corre água pela primeira vez em Lisboa. Esta monumental e notável obra de engenharia hidráulica, que levou mais de um século a ser erguida, só foi retirada do sistema de abastecimento da águas à cidade de Lisboa em 1967. (daqui)
 


 Francisco de Holanda, Autorretrato, ca. 1573,
 o artista apresentando o seu "Livro das Imagens".


Francisco de Holanda

Ensaísta, artista plástico, arquiteto, historiador e crítico de arte português, nascido provavelmente em 1517, em Lisboa, e falecido em 1584. Estudou em Itália, entre 1538 e 1547. Ali teve acesso ao círculo de Vitória Colonna, figura notável do renascimento italiano, facto que lhe proporcionou o convívio com grandes artistas da sua época, como Parmigianino, Giambologna e, em especial Michelangelo Buonarroti, que nele despertou o fervor pelo classicismo.
Regressou, mais tarde, a Portugal, onde obteve várias ajudas da parte do infante D. Henrique, do cardeal-arcebispo de Évora e dos reis D. João III (a mando deste monarca, pintou os livros do coro do Convento de Cristo) e D. Sebastião.

O ideal estético renascentista exprime-se acentuadamente neste autor, que afirma que o dever primordial do artista é cultivar a sua íntima originalidade, "imitar-se a si mesmo"; depois, seguir a lição da natureza (puro espelho do Criador) e a lição dos antigos, mestres imortais de grandeza, simetria, perfeição e decoro.
Dotado de uma grande versatilidade intelectual, o autor distinguiu-se pelos seus desenhos da série "Antiguidades de Itália" (1540-1547), pelo seu contributo como instrumento de estudo na reconstituição do património arqueológico romano e da arte italiana da primeira metade do século XVI. Foi ainda autor do projeto da fachada da igreja de Nossa Senhora da Graça, em Évora.

A sua paixão pelo classicismo refletiu-se no seu tratado Da Pintura Antiga, que divulga o essencial da obra de Michelangelo e do movimento artístico de Roma no segundo quartel do século XVI. Escreveu ainda o primeiro ensaio sobre urbanismo na Península Ibérica, como o título Da Fábrica que Falece à Cidade de Lisboa, e alguns livros de desenhos como De Aetibus Mundi Imagines e Antigualhas(daqui)
 

Sem comentários: