quinta-feira, 21 de agosto de 2025

"Canção para a minha mãe" - Poema de Miguel Torga

 

 
Moïse Kisling
 (Peintre français d'origine polonaise, 1891-1953), 
La mère et ses enfants, 1917.
 

Canção para a minha mãe


E sem um gesto, sem um não, partias!
Assim a luz eterna se extinguia!
Sem um adeus, sequer, te despedias,
Atraiçoando a fé que nos unia!

Terra lavrada e quente,
Regaço de um poeta criador,
Ias-te embora antes do sol poente,
Triste como semente sem calor!

Ias, resignada, apodrecer
À sombra das roseiras outonais!
Cor da alegria, cântico a nascer,
Trocavas por ciprestes pinheirais!

Mas eu vim, deusa desenganada!
Vim com este condão que tu conheces,
E toquei essa carne macerada
Da vida palpitante que mereces!

Porque tu és a Mãe!
Pariste um dia aos gritos e aos arrancos,
E parirás ainda pelo tempo além,
Mesmo ser madre e de cabelos brancos!

És e serás a faia que balança ao vento
E não quebra nem cede!
Se te pediu a paz do esquecimento,
Também a força de lutar te pede!

Respira, pois, seiva da duração,
Nos meus pulmões até, se te cansaste;
Mas que eu sinta bater o coração
No peito onde em menino me embalaste.
 
S. Martinho de Anta, 13 de julho de 1946

Miguel Torga
, Diário III,
 in “Diário. Vols. I a IV”. 5ª ed.,
Lisboa: Dom Quixote, 1999.
 

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