Simão César Dórdio Gomes (Pintor modernista português, 1890 - 1976),
Éguas de manada, 1929, óleo sobre tela, 106 x 126 cm
A música, o luar e os sonhos são as minhas armas mágicas
« – A música, o luar e os sonhos são as minhas armas mágicas. Mas por música não deve entender-se só aquela que se toca, se não também aquela que fica eternamente por tocar. Por luar, ainda, não se deve supor que se fala só do que vem da lua e faz as árvores grandes perfis; há outro luar, que o mesmo sol não exclui, e obscurece em pleno dia o que as coisas fingem ser. Só os sonhos são sempre o que são. É o lado de nós em que nascemos e em que somos sempre naturais e nossos. – Mas, se o mundo é ação, como é que o sonho faz parte do mundo? – É que o sonho, minha senhora, é uma ação que se tornou ideia; e que por isso conserva a força do mundo e lhe repudia a matéria, que é o estar no espaço. Não é verdade que somos livres no sonho? – Sim, mas é triste o acordar... – O bom sonhador não acorda. Eu nunca acordei. Deus mesmo duvido que não durma. Já uma vez ele mo disse.»
Fernando Pessoa, in A Hora do Diabo
Fernando Pessoa, in A Hora do Diabo
Simão César Dórdio Gomes, Dois banhistas à beira do Douro, 1928
Simão César Dórdio Gomes, Autorretrato da Natureza Morta, 1924
Biografia
Simão César Dórdio Gomes nasceu em Arraiolos a 26 de Julho de 1890 e
morreu no Porto em 1976.
Com 12 anos apenas matriculou-se na Academia de Belas Artes de Lisboa,
que frequentou entre 1902 e 1910. Aí teve como mestres mais marcantes
Luciano Freire, em Desenho, e Veloso Salgado, em Pintura. Embora este
último o tenha de algum modo influenciado, as suas primeiras obras
revelam sobretudo o fascínio que sobre ele exercia Columbano, com os
seus tons sombrios.
Em 1910 ganhou em concurso uma bolsa do legado Valmor, que lhe
permitiria continuar os estudos em Paris, para onde seguiu na companhia
do seu amigo e colega o escultor Francisco Franco. Aí frequentou a
Academia Julian e as aulas de Jean-Paul Laurens, mas em 1911 a estadia
foi interrompida por questões que envolveram os bolseiros (Francisco
Franco, Santa-Rita, José Campas e o próprio Dordio) e o ministro de
Portugal em Paris, João Chagas.
Apesar dos contactos que teve em Paris e
da companhia de outros artistas, como Santa-Rita ou Eduardo Viana, que
tão grande importância teriam no movimento modernista português, neste
período pouca alteração sofreu a pintura de Dordio Gomes que, de
regresso a Portugal, se radicou de novo em Arraiolos durante 10 anos,
seguindo a senda regionalista tradicional, que aprendera na escola.
Em 1921 foi-lhe renovada a bolsa e partiu novamente para Paris, onde
permaneceu ate 1926. Este 2º período viria a ser decisivo na obra de
Dordio Gomes. Apesar de frequentar a Escola Nacional de Belas Artes de
Paris e o atelier de Ferdinand Cormon, o contacto com as novas correntes
e movimentos internacionais, bem como a frequência da tertúlia de
artistas portugueses que viviam em Paris na altura, como Diogo de
Macedo, Abel Manta, Manuel Jardim, Heitor Cramês, entre outros,
permitiram-lhe dar à sua obra um cunho moderno.
Deixando de lado
Columbano e o naturalismo tradicional, sofreu uma nítida influência de
Cezanne, na cor e forma, fazendo até uma breve e incipiente incursão
pelo cubismo, que nunca assimilou totalmente; datam desta época as suas
obras mais conhecidas: as Casas de Malakoff e o Autorretrato da natureza
morta.
Durante esta estadia teve ainda oportunidade de visitar outros países,
como a Bélgica, a Suíça e a Holanda, e ainda de passar oito meses em
Itália, país que viria a ter grande importância na obra futura deste
artista, pelo interesse que lhe despertou a pintura a fresco, através do
conhecimento direto que teve da obra dos grandes mestres italianos.
De regresso a Portugal, deteve-se seis anos no Alentejo, entrando a sua
obra na 3ª fase, de volta à temática regionalista, mas com um tratamento
completamente diferente das suas primeiras pinturas, continuando a
fazer-se sentir a influência de Cezanne no arrojo da forma e na
exuberância da cor, que chega a ser violenta.
São deste período inúmeras obras com motivos da paisagem alentejana,
onde sobressaem os sobreiros e os cavalos em liberdade e ainda a
decoração do salão nobre dos Paços do Concelho de Arraiolos com 11
painéis dedicados aos trabalhos e à vida da terra alentejana, que ele
criticou, mais tarde, na sua autobiografia pela “urdidura álacre e
dissonante, destituída de verdadeiro senso estético ou decorativo”, mas
que revelam a originalidade do pintor no tratamento dos temas
regionais.
Em 1933 concorreu ao lugar de professor de pintura da Escola Superior de
Belas Artes do Porto, sendo admitido em 1934 e aí se mantendo ate ao
jubileu em 1960. O entusiasmo e abertura que sempre pôs na sua
atividade docente foram determinantes para a renovação do ensino nesta
Escola, permitindo a formação de uma geração de artistas modernos que
se distinguiram nas décadas seguintes.
Com a vinda para o Norte, começou uma nova fase da obra de Dordio Gomes.
A paleta viva e quente, própria para as terras alentejanas, com a sua
luminosidade agressiva e contrastante, foi substituída por outra mais
suave e que transmite a luz difusa da atmosfera do Porto. O rio Douro
com a sua paisagem e os seus trabalhos característicos foi o tema
preferencial desta época. Mas foi também o período em que se dedicou à
pintura a fresco, velho sonho desde a viagem a Itália, executando
decorações em vários interiores do Porto: antigo café Rialto em 1944,
Baptistério da Igreja de Nª Srª da Conceição em 1947, Livraria Tavares
Martins em 1948, Igreja de Nª Srª do Perpétuo Socorro em 1952, Igreja
dos Redentoristas em 1953, Escola Superior de Belas Artes do Porto em
1954, Câmara Municipal do Porto em 1957.
Ao longo da sua vida, Dordio Gomes participou em inúmeras exposições,
quer dentro dos esquemas tradicionais, por exemplo das exposições anuais
da Sociedade Nacional de Belas Artes (entre 1913 e 1919 sem interrupção
e depois até 1942 espaçadamente), quer integrado nos modernistas, a
cuja primeira geração pertenceu.
Foi assim que fez parte dos 5 Independentes (com Diogo de Macedo,
Henrique e Francisco Franco e Alfredo Migueis) que expuseram em 1923 na
Sociedade Nacional Belas Artes, grupo de pintores e escultores
residentes em França na altura, e que, declarando-se “independentes de
tudo e de todos” vieram abanar um pouco o meio artístico, constituindo
esta exposição a “primeira manifestação modernista dos anos 20” (J. A.
França).
Em 1930 foi um dos expositores do I Salão dos Independentes,
onde se reuniu grande parte dos artistas modernos de então.
Participou também nas Exposições de Arte Moderna organizadas pelo
Secretariado de Propaganda Nacional / Secretariado Nacional de
Informação em Lisboa e no Porto, sendo-lhe atribuído em 1938 o prémio
Columbano e, em 1945, o prémio António Carneiro. Em Lisboa ainda, é de
salientar a sua presença nas Exposições de Artes Plásticas da Fundação
Calouste Gulbenkian, onde recebeu o 1º prémio de pintura, em 1957 e fez
parte do júri, em 1961.
No Porto participou em várias exposições coletivas e nas Exposições
Magnas da Escola Superior de Belas Artes do Porto, como professor, entre
1954 e 1960, sendo alvo de uma homenagem nesta última, por ocasião do
seu jubileu, em que foi agraciado com a insígnia de Cavaleiro da Ordem
de Santiago de Espada.
Concorreu a inúmeras exposições no estrangeiro, de que salientamos a
Exposição Internacional do Rio de Janeiro, em 1922, e a Exposição
Internacional de Paris, em 1937, tendo recebido em ambas a medalha de
ouro, a XXV Bienal de Veneza, em 1950, as Bienais de S. Paulo, em
1951, 1953 e 1955 e a Exposição Internacional de Bruxelas, em 1958.
A sua primeira exposição individual foi apresentada na Sociedade
Nacional de Belas Artes em 1923, com as obras do 2º período alentejano.
Em 1946, foi a vez do Porto, na Livraria Portugália; em 1956 o Museu de
Évora organizou uma Retrospetiva da Pintura de Dordio Gomes; em 1965
outra Retrospetiva, desta vez na companhia de Abel Manta, foi levada a
cabo pela Sociedade Nacional de Belas Artes; em 1975 foi novamente o
Porto, na Galeria do Jornal de Notícias. Já depois da sua morte,
ocorrida em 22 de Julho de 1976, a Escola Superior de Belas Artes do
Porto organizou em 1978 uma homenagem a mestre Dordio Gomes. (Daqui)
Simão César Dórdio Gomes. "Fado do ciúme" - Amália Rodrigues
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