quarta-feira, 26 de março de 2014

"A música o luar e os sonhos são as minhas armas mágicas" - Texto de Fernando Pessoa


 Éguas de manada, 1929, óleo sobre tela, 106 x 126 cm
 
 
 
A música, o luar e os sonhos são as minhas armas mágicas


« – A música, o luar e os sonhos são as minhas armas mágicas. Mas por música não deve entender-se só aquela que se toca, se não também aquela que fica eternamente por tocar. Por luar, ainda, não se deve supor que se fala só do que vem da lua e faz as árvores grandes perfis; há outro luar, que o mesmo sol não exclui, e obscurece em pleno dia o que as coisas fingem ser. Só os sonhos são sempre o que são. É o lado de nós em que nascemos e em que somos sempre naturais e nossos. – Mas, se o mundo é ação, como é que o sonho faz parte do mundo? – É que o sonho, minha senhora, é uma ação que se tornou ideia; e que por isso conserva a força do mundo e lhe repudia a matéria, que é o estar no espaço. Não é verdade que somos livres no sonho? – Sim, mas é triste o acordar... – O bom sonhador não acorda. Eu nunca acordei. Deus mesmo duvido que não durma. Já uma vez ele mo disse.»

Fernando Pessoa, in A Hora do Diabo


Simão César Dórdio Gomes, Dois banhistas à beira do Douro, 1928



Simão César Dórdio Gomes, Autorretrato da Natureza Morta, 1924
 
 
Biografia
 
Simão César Dórdio Gomes nasceu em Arraiolos a 26 de Julho de 1890 e morreu no Porto em 1976. Com 12 anos apenas matriculou-se na Academia de Belas Artes de Lisboa, que frequentou entre 1902 e 1910. Aí teve como mestres mais marcantes Luciano Freire, em Desenho, e Veloso Salgado, em Pintura. Embora este último o tenha de algum modo influenciado, as suas primeiras obras revelam sobretudo o fascínio que sobre ele exercia Columbano, com os seus tons sombrios. 
Em 1910 ganhou em concurso uma bolsa do legado Valmor, que lhe permitiria continuar os estudos em Paris, para onde seguiu na companhia do seu amigo e colega o escultor Francisco Franco. Aí frequentou a Academia Julian e as aulas de Jean-Paul Laurens, mas em 1911 a estadia foi interrompida por questões que envolveram os bolseiros (Francisco Franco, Santa-Rita, José Campas e o próprio Dordio) e o ministro de Portugal em Paris, João Chagas. 
Apesar dos contactos que teve em Paris e da companhia de outros artistas, como Santa-Rita ou Eduardo Viana, que tão grande importância teriam no movimento modernista português, neste período pouca alteração sofreu a pintura de Dordio Gomes que, de regresso a Portugal, se radicou de novo em Arraiolos durante 10 anos, seguindo a senda regionalista tradicional, que aprendera na escola. 
Em 1921 foi-lhe renovada a bolsa e partiu novamente para Paris, onde permaneceu ate 1926. Este 2º período viria a ser decisivo na obra de Dordio Gomes. Apesar de frequentar a Escola Nacional de Belas Artes de Paris e o atelier de Ferdinand Cormon, o contacto com as novas correntes e movimentos internacionais, bem como a frequência da tertúlia de artistas portugueses que viviam em Paris na altura, como Diogo de Macedo, Abel Manta, Manuel Jardim, Heitor Cramês, entre outros, permitiram-lhe dar à sua obra um cunho moderno. 
Deixando de lado Columbano e o naturalismo tradicional, sofreu uma nítida influência de Cezanne, na cor e forma, fazendo até uma breve e incipiente incursão pelo cubismo, que nunca assimilou totalmente; datam desta época as suas obras mais conhecidas: as Casas de Malakoff e o Autorretrato da natureza morta. Durante esta estadia teve ainda oportunidade de visitar outros países, como a Bélgica, a Suíça e a Holanda, e ainda de passar oito meses em Itália, país que viria a ter grande importância na obra futura deste artista, pelo interesse que lhe despertou a pintura a fresco, através do conhecimento direto que teve da obra dos grandes mestres italianos. 
De regresso a Portugal, deteve-se seis anos no Alentejo, entrando a sua obra na 3ª fase, de volta à temática regionalista, mas com um tratamento completamente diferente das suas primeiras pinturas, continuando a fazer-se sentir a influência de Cezanne no arrojo da forma e na exuberância da cor, que chega a ser violenta. São deste período inúmeras obras com motivos da paisagem alentejana, onde sobressaem os sobreiros e os cavalos em liberdade e ainda a decoração do salão nobre dos Paços do Concelho de Arraiolos com 11 painéis dedicados aos trabalhos e à vida da terra alentejana, que ele criticou, mais tarde, na sua autobiografia pela “urdidura álacre e dissonante, destituída de verdadeiro senso estético ou decorativo”, mas que revelam a originalidade do pintor no tratamento dos temas regionais. 
Em 1933 concorreu ao lugar de professor de pintura da Escola Superior de Belas Artes do Porto, sendo admitido em 1934 e aí se mantendo ate ao jubileu em 1960. O entusiasmo e abertura que sempre pôs na sua atividade docente foram determinantes para a renovação do ensino nesta Escola, permitindo a formação de uma geração de artistas modernos que se distinguiram nas décadas seguintes.
Com a vinda para o Norte, começou uma nova fase da obra de Dordio Gomes. A paleta viva e quente, própria para as terras alentejanas, com a sua luminosidade agressiva e contrastante, foi substituída por outra mais suave e que transmite a luz difusa da atmosfera do Porto. O rio Douro com a sua paisagem e os seus trabalhos característicos foi o tema preferencial desta época. Mas foi também o período em que se dedicou à pintura a fresco, velho sonho desde a viagem a Itália, executando decorações em vários interiores do Porto: antigo café Rialto em 1944, Baptistério da Igreja de Nª Srª da Conceição em 1947, Livraria Tavares Martins em 1948, Igreja de Nª Srª do Perpétuo Socorro em 1952, Igreja dos Redentoristas em 1953, Escola Superior de Belas Artes do Porto em 1954, Câmara Municipal do Porto em 1957.
Ao longo da sua vida, Dordio Gomes participou em inúmeras exposições, quer dentro dos esquemas tradicionais, por exemplo das exposições anuais da Sociedade Nacional de Belas Artes (entre 1913 e 1919 sem interrupção e depois até 1942 espaçadamente), quer integrado nos modernistas, a cuja primeira geração pertenceu. Foi assim que fez parte dos 5 Independentes (com Diogo de Macedo, Henrique e Francisco Franco e Alfredo Migueis) que expuseram em 1923 na Sociedade Nacional Belas Artes, grupo de pintores e escultores residentes em França na altura, e que, declarando-se “independentes de tudo e de todos” vieram abanar um pouco o meio artístico, constituindo esta exposição a “primeira manifestação modernista dos anos 20” (J. A. França).
Em 1930 foi um dos expositores do I Salão dos Independentes, onde se reuniu grande parte dos artistas modernos de então. Participou também nas Exposições de Arte Moderna organizadas pelo Secretariado de Propaganda Nacional / Secretariado Nacional de Informação em Lisboa e no Porto, sendo-lhe atribuído em 1938 o prémio Columbano e, em 1945, o prémio António Carneiro. Em Lisboa ainda, é de salientar a sua presença nas Exposições de Artes Plásticas da Fundação Calouste Gulbenkian, onde recebeu o 1º prémio de pintura, em 1957 e fez parte do júri, em 1961. No Porto participou em várias exposições coletivas e nas Exposições Magnas da Escola Superior de Belas Artes do Porto, como professor, entre 1954 e 1960, sendo alvo de uma homenagem nesta última, por ocasião do seu jubileu, em que foi agraciado com a insígnia de Cavaleiro da Ordem de Santiago de Espada. 
Concorreu a inúmeras exposições no estrangeiro, de que salientamos a Exposição Internacional do Rio de Janeiro, em 1922, e a Exposição Internacional de Paris, em 1937, tendo recebido em ambas a medalha de ouro, a XXV Bienal de Veneza, em 1950, as Bienais de S. Paulo, em 1951, 1953 e 1955 e a Exposição Internacional de Bruxelas, em 1958. A sua primeira exposição individual foi apresentada na Sociedade Nacional de Belas Artes em 1923, com as obras do 2º período alentejano. Em 1946, foi a vez do Porto, na Livraria Portugália; em 1956 o Museu de Évora organizou uma Retrospetiva da Pintura de Dordio Gomes; em 1965 outra Retrospetiva, desta vez na companhia de Abel Manta, foi levada a cabo pela Sociedade Nacional de Belas Artes; em 1975 foi novamente o Porto, na Galeria do Jornal de Notícias. Já depois da sua morte, ocorrida em 22 de Julho de 1976, a Escola Superior de Belas Artes do Porto organizou em 1978 uma homenagem a mestre Dordio Gomes. (Daqui)
 
 
 
Simão César Dórdio Gomes. "Fado do ciúme" - Amália Rodrigues


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