Rua de Roma
Quero uma rua de Roma
com seus rubros com seus ocres
com essa igreja barroca
essa fonte esse quiosque
aquele pátio na sombra
ao longe a luz de um zimbório
mais o cimo dessa torre
que não tem raiz no solo.
Em troca darei Moscovo
Oslo Tóquio Banguecoque.
Fugaz e secreta à força
de se mostrar rumorosa
só essa rua de Roma
em cada nervo me toca.
Por isso a quero assim toda
opulenta de tão pobre
com o voo desta pomba
o ribombar desta moto
com este bar de mau gosto
em cuja esplanada tomo
este espresso após o almoço
à tarde um campari soda.
Em troca darei Lisboa
Londres Rio Nova Iorque
toda a prata todo o ouro
que não tenho em nenhum cofre
só no cotão do meu bolso
e no que a pátria me explora.
Quero essa rua de Roma.
Aqui onde estou sufoco.
Aqui as manhãs irrompem
de noites que nunca morrem.
Quero esse musgo essa fonte
essas folhas que se movem
sob o sopro do siroco
ora tépido ora tórrido
frente à igreja barroca
tão apagada por fora
mas que do altar ao coro
por dentro aparece enorme.
Quero essa rua de Roma
casta rugosa remota.
Em troca darei as lobas
que não aleitaram Rómulo
mas me deixaram na boca
o travo do transitório.
Quero essa rua de Roma
sem conhecer quem lá mora
além da madonna loura
misto de corça e de cobra
que ao longo de tantas noites
tanta insónia me provoca.
Quanto às restantes pessoas
inventarei como sofrem.
Quero essa rua de Roma.
Terá de ser sem demora.
Sabemos lá quando rondam
abutres à nossa roda.
Mas não me lembro do nome
da rua que assim evoco
soberba se bem que tosca
direita se bem que torta
com um Sol que tanto a doura
como a seguir a devora.
Em troca darei o troco
do que por nada se troca
o florescer de uma bomba
o deflagrar de uma rosa.
Quero essa rua de Roma.
Amanhã. Ontem. Agora.
Que importa saber-lhe o nome
se a trago dentro dos olhos.
Há uma igual em Verona.
Outra ainda mais a norte.
Outra talvez nem tão longe
num burgo que o mundo ignora.
Outra que apenas se encontra
onde a paixão a descobre.
Mas rua sempre de Roma.
Romana em todo o seu porte
mistura de alma e de corpo
aquém além do ilusório.
Romana mesmo que em Roma
não haja quem a recorde.
Onde quer que o sexo a sonhe
e o coração a coloque
é lá que todo sou todo.
Aqui não.
Aqui não posso.
Aqui não posso.
in 'Os Ramos Os Remos'
Ettore Roesler Franz
Retrato de Ettore Roesler Franz (1845-1907) por Giacomo Balla (1871-1958),
pintado em Villa d'Este, c. 1902, exposto na Bienal de Veneza de 1903
Ettore Roesler Franz (Roma, 11 de maio de 1845 - Roma, 26 de março de 1907) foi um pintor e fotógrafo italiano de origem alemã. Era especialista na técnica de aguarela. Seu trabalho mais famoso é uma série de 120 aguarelas chamada "Roma sparita", onde ele retratou com grande realismo partes da cidade que ele supunha que seriam destruídas no esforço de modernização. Muitas dessas aquarelas estão hoje no Museu de Roma em Trastevere.
"Roma sparita"
Aguarelas de Ettore Roesler Franz
Ponte Rotto em Roma
Piazza Barberini
"A humanidade que deveria ter seis mil anos de experiência, recai na infância a cada geração."
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