António Costa Pinheiro, Painel de azulejos, Estação Alameda, 1997.
Ode ao Cidadão Anónimo
Tu, cidadão anónimo, igual a ti próprio e a mim/outro
Que compras tudo o que és capaz de comprar
E deitas para o lixo tudo o que compraste
Que ganhas a tua vida perdendo a tua vida
Vida que é pequena e que só tens uma
Mas finges ignorar
Que pagas as contas que fazes sem saber porquê
Mas esperas descontos nos contos do vigário
que os teus credores te contam
Tu que ainda há pouco alimentavas a ilusão
de que o que fazes é produtivo para o teu país,
vais verificando dia a dia
que o teu trabalho é inútil principalmente para ti
porque um dia te despedem
até ficares despido
porque quem não precisa de ti não quer senão o teu voto
e tu que te lixes no lixo
porque o trabalho que fizeste toda a vida
é muito mais bem feito por qualquer robot
e ninguém dá por isso se não for feito
por isso és despedido
Assim desfruta a tua liberdade de desempregado
o melhor que puderes
porque és livre e por isso descartável
Está é a mais extraordinária descoberta da sociologia neoliberal
cibernetizada e deves ficar feliz com isso!
Mas não digas a ninguém.
Chora essa tua felicidade sozinho.
Se és velho, nunca vás para uma casa de repouso.
Finge que trabalhas.
Finge que te pagam, mesmo sabendo que nada recebes
Porque dá mais gozo não receber um salário venenoso
Que é teu
Mas irá fortalecer o sistema capitalista
E o igualmente selvagem neoliberalismo…
De que tanto gostas
E em que votaste à toa!
E. M. de Melo e Castro
(n. Covilhã, 1932),
in '15 Odes Ocas'
Ode ao Cidadão Anónimo
Tu, cidadão anónimo, igual a ti próprio e a mim/outro
Que compras tudo o que és capaz de comprar
E deitas para o lixo tudo o que compraste
Que ganhas a tua vida perdendo a tua vida
Vida que é pequena e que só tens uma
Mas finges ignorar
Que pagas as contas que fazes sem saber porquê
Mas esperas descontos nos contos do vigário
que os teus credores te contam
Tu que ainda há pouco alimentavas a ilusão
de que o que fazes é produtivo para o teu país,
vais verificando dia a dia
que o teu trabalho é inútil principalmente para ti
porque um dia te despedem
até ficares despido
porque quem não precisa de ti não quer senão o teu voto
e tu que te lixes no lixo
porque o trabalho que fizeste toda a vida
é muito mais bem feito por qualquer robot
e ninguém dá por isso se não for feito
por isso és despedido
Assim desfruta a tua liberdade de desempregado
o melhor que puderes
porque és livre e por isso descartável
Está é a mais extraordinária descoberta da sociologia neoliberal
cibernetizada e deves ficar feliz com isso!
Mas não digas a ninguém.
Chora essa tua felicidade sozinho.
Se és velho, nunca vás para uma casa de repouso.
Finge que trabalhas.
Finge que te pagam, mesmo sabendo que nada recebes
Porque dá mais gozo não receber um salário venenoso
Que é teu
Mas irá fortalecer o sistema capitalista
E o igualmente selvagem neoliberalismo…
De que tanto gostas
E em que votaste à toa!
E. M. de Melo e Castro
(n. Covilhã, 1932),
in '15 Odes Ocas'
António Costa Pinheiro, Painel de azulejos, Estação Alameda, 1997.
"[...] para mim, trabalhar o verso, trabalhar a prosa, trabalhar o signo não verbal, quer com meios gráficos convencionais ou com meios tecnológicos avançados, faz parte de um processo total que eu chamo poiésis, isto é, a produção do artefato, a produção do objeto, mas do objeto novo, evidentemente. E é justamente nesta inovação, ou nos aspetos transgressivos em relação às normas estabelecidas para a produção de versos, de poemas em prosa ou até mesmo de poemas visuais, é na transgressão que, para mim, se encontra o ponto crucial dessa produção".
"[...] para mim, trabalhar o verso, trabalhar a prosa, trabalhar o signo não verbal, quer com meios gráficos convencionais ou com meios tecnológicos avançados, faz parte de um processo total que eu chamo poiésis, isto é, a produção do artefato, a produção do objeto, mas do objeto novo, evidentemente. E é justamente nesta inovação, ou nos aspetos transgressivos em relação às normas estabelecidas para a produção de versos, de poemas em prosa ou até mesmo de poemas visuais, é na transgressão que, para mim, se encontra o ponto crucial dessa produção".
E. M. de Melo e Castro, 2001
António Costa Pinheiro, Painel de azulejos, Estação Alameda, 1997.
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