quarta-feira, 13 de setembro de 2017

"Lisboa com suas casas" - Poema de Álvaro de Campos


 Real Bordalo (Lisboa, 1925 - 2017), Lisboa



Lisboa com suas casas


Lisboa com suas casas
De várias cores,
Lisboa com suas casas
De várias cores,
Lisboa com suas casas
De várias cores...
À força de diferente, isto é monótono.
Como à força de sentir, fico só a pensar.

Se, de noite, deitado mas desperto,
Na lucidez inútil de não poder dormir,
Quero imaginar qualquer coisa
E surge sempre outra (porque há sono,
E, porque há sono, um bocado de sonho),
Quero alongar a vista com que imagino
Por grandes palmares fantásticos,
Mas não vejo mais,
Contra uma espécie de lado de dentro de pálpebras,
Que Lisboa com suas casas
De várias cores.

Sorrio, porque, aqui, deitado, é outra coisa.
A força de monótono, é diferente.
E, à força de ser eu, durmo e esqueço que existo.

Fica só, sem mim, que esqueci porque durmo,
Lisboa com suas casas
De várias cores.


Álvaro de Campos, in "Poemas"
 Heterónimo de Fernando Pessoa


O artista plástico português Real Bordalo


Artur Real Chaves Bordalo da Silva nasceu em Lisboa em 1925, estudou desenho na Sociedade Nacional de Belas-Artes e o trabalho artístico destaca-se em aguarela e óleo, sobretudo paisagens urbanas, em particular edifícios e locais históricos da capital.

Ainda adolescente trabalhou com João Rosa Rodrigues, Francisco Branco e, mais tarde, com Leitão de Barros em cenografia, na Tobis e na Lisboa Filme. Foi pintor na Fábrica da Cerâmica Constância Faiança Bastitini, desenhador técnico, retocador de rotogravura e desenhador maquetista no Diário de Notícias.

Entre 1948 e 1950 recebeu três prémios, entre eles a menção honrosa em aguarela na Sociedade Nacional de Belas-Artes. Em 1952, com 27 anos, inaugurou a primeira exposição individual com trabalhos em aguarela e pastel no Casino da Figueira da Foz.

A obra de Real Bordalo encontra-se representada no Museu José Malhoa, nas Caldas da Rainha, em museus municipais de cidades como Lisboa, Lagos, Porto e Santarém, e em coleções particulares de França, Japão, Itália, Estados Unidos e Alemanha.

Real Bordalo morreu em junho de 2017, em Lisboa, aos 91 anos de idade. (Daqui)



Real Bordalo, Lisboa 


"Lisboa é a nitidez através do ar. Lisboa é a cor manchada dos muros. Lisboa é o musgo novo a nascer sobre o musgo seco. Lisboa é o desenho de fendas, como relâmpagos, a escorrerem pela superfície dos muros. Lisboa é a imperfeição criteriosa. Lisboa é o céu refletido."

José Luís Peixoto, in Cemitério de Pianos


1 comentário:

Lisarts disse...

https://educacaopoetica.blogspot.com.br/

Fernando Pessoa é o maior poeta de todos os tempos.