Amantia Verba
Ao Pereira Nunes
"Esta é a ditosa Pátria minha amada”
Campos formosa, intrépida amazona
Do viridente plaino Goitacás!
Predileta do Luar como Verona,
Terra feita de luz e madrigais!
Na planura sem fim do teu regaço
Quem poderá dizer que o sol se esconde?
Para subir aqui — sobra-lhe espaço!
Para descer aqui — não tem por onde!
Oh Paraíba, oh mágica torrente
Soberana dos prados e vergéis!
Por onde passas, como um rei do oriente,
Os teus vassalos vêm beijar-te os pés!
De Otelo tens a cólera, alteroso,
E o quebranto das pérfidas sereias:
Ora revel, nas formidáveis cheias,
Ora em tranquilo e plácido repouso!
Pelo teu dorso quérulo e undiflavo
Vogam lamentos como nunca ouvi...
Ecos talvez das lágrimas do Schiavo,
Ou dos tristes amores de Peri!
Quanta vez fui contar-te as minhas mágoas
(Tu, rio, és meu irmão, tu também penas!)
Embalavam-me as tuas cantilenas,
O doce arfar monótono das águas!
Os meus passeios preferidos lembro :
Beirando o rio, a Lapa, a Igreja, o Asilo,
Toda aquela paisagem, tudo aquilo,
Nas luminosas tardes de Dezembro!
O sol, tamanho gasto e desperdício
De tons e tintas, pródigo, fazia,
Que todo o Paraíba parecia
Iluminado a fogo de artifício!
Nos tempos do Liceu horas inteiras,
Ao pôr do sol, passava-as no mirante:
Monologavam pelo azul distante
Os perfis solitários das palmeiras!
E vinha-me a ilusão que era o rei mouro
O último rei que governou Granada:
Sobre a cidade a púrpura abrasada
E as torres altas, minaretes de ouro!
Em caprichosa curva em face, a franca,
A límpida caudal do Paraíba;
E ao largo, alvissareiro, rio arriba,
O traço alegre de uma vela branca!
Parecias-me muito mais estreito
Visto dali, talvez pela distância,
Companheiro fiel da minha infância,
Rio que rolas dentro do meu peito!
Faixa de opala que a cidade enlaça
Pela cintura, — cíngulo de neve!
Vendo-te, — vê-se bem que a vida é breve!
Corre, vai, rio amigo, tudo passa!
Torres de usinas fumegando a um lado,
Para o poente o Itaoca e em cima e ao fundo,
Diáfano sempre, — um céu imaculado,
Céu de safira sem rival no mundo!
Noite! A esfera armilar da lua cheia
Do sudário das águas surge ao lume,
E tudo ao luar o estranho aspecto assume
Dos castelos da Espanha sobre a areia!
A extrema-unção do luar como que invade
A alma das coisas, sobre tudo esvoeja:
Faz-se toda de mármore a cidade,
Vê-se uma catedral em cada Igreja!
Junho, mês dos noctívagos, corria...
Julieta à varanda debruçada
Vinha escutar a flauta enamorada,
Nas horas mortas, pela noite fria...
Tudo no olvido cai, tudo fenece,
Banco das Cismas, tudo cai no olvido!
Teu nome hoje é vazio de sentido,
A nova geração não te conhece!
Eras outrora o nosso confidente,
O Parnaso da Roda, a nossa Ermida!
Banco das Cismas, quanto sonho ardente
Desfeito em fumo no correr da vida!
Como o rei Harfagar, meu derradeiro
Sono, em teu seio, mude-se em vigília!
Abrigo e lar dos que não têm família!
Meu amado torrão hospitaleiro!
Campos formosa, intrépida amazona
Do viridente plaino Goitacás!
Predileta do Luar como Verona,
Terra feita de luz e madrigais!
Nada iguala os teus dons, os teus primores,
Vai de delícias, o teu céu azul!
Minha terra natal, ninho de amores,
Urna de encantos, pérola do sul!
1901