Seymour Joseph Guy, The Contest for the Bouquet, 1866
(also known as The Family of Robert Gordon in Their New York Dining-Room)
Mãe, agora que guardaste na arca
Mãe, agora que guardaste na arca
as blusas pretas e os teus olhos
voltaram a ser azuis; que os meus
irmãos dormem no seu quarto um
sono de poderem ser felizes, que
já conseguimos dizer uma à outra
o nome dele no meio de um sorriso
porque a morte, afinal, é uma coisa
tão longe – deixa-me perguntar-te
porque não há retratos do meu pai
comigo ao colo, como os dos meus
irmãos que ele trazia sempre junto
ao peito e tu depois dividiste pela
casa para ele poder saber que ainda
te lembravas; ou então debruçado
no meu berço – que tu escondeste
no sótão ainda eu era pequena e te
sentavas a embalar vazio quando ele
não entendia porque estavas tão
triste. Mãe, eram tão azuis os olhos
do meu pai no dia em que levou os
meus irmãos à escola e tinham tanto
medo do que pudesse acontecer-lhes;
são tão azuis também os olhos deles
debaixo do seu sono, e os meus tão
negros de dúvidas – porque foste
sempre tu que me levaste sozinha
para as coisas difíceis da minha vida,
que o meu pai nem nunca quis saber
que coisas eram. Mãe, estão hoje tão
azuis os teus olhos com essas roupas
claras, e eu ainda tenho o nome do
meu pai entre as minhas lágrimas, mas
agora, que os meus irmãos descansam
no seu quarto, que já todos podemos
dizer o nome dele sem nos cortar os
lábios, diz-me a verdade: esse homem
que chorámos era mesmo meu pai?
Maria do Rosário Pedreira
(also known as The Family of Robert Gordon in Their New York Dining-Room)
Mãe, agora que guardaste na arca
Mãe, agora que guardaste na arca
as blusas pretas e os teus olhos
voltaram a ser azuis; que os meus
irmãos dormem no seu quarto um
sono de poderem ser felizes, que
já conseguimos dizer uma à outra
o nome dele no meio de um sorriso
porque a morte, afinal, é uma coisa
tão longe – deixa-me perguntar-te
porque não há retratos do meu pai
comigo ao colo, como os dos meus
irmãos que ele trazia sempre junto
ao peito e tu depois dividiste pela
casa para ele poder saber que ainda
te lembravas; ou então debruçado
no meu berço – que tu escondeste
no sótão ainda eu era pequena e te
sentavas a embalar vazio quando ele
não entendia porque estavas tão
triste. Mãe, eram tão azuis os olhos
do meu pai no dia em que levou os
meus irmãos à escola e tinham tanto
medo do que pudesse acontecer-lhes;
são tão azuis também os olhos deles
debaixo do seu sono, e os meus tão
negros de dúvidas – porque foste
sempre tu que me levaste sozinha
para as coisas difíceis da minha vida,
que o meu pai nem nunca quis saber
que coisas eram. Mãe, estão hoje tão
azuis os teus olhos com essas roupas
claras, e eu ainda tenho o nome do
meu pai entre as minhas lágrimas, mas
agora, que os meus irmãos descansam
no seu quarto, que já todos podemos
dizer o nome dele sem nos cortar os
lábios, diz-me a verdade: esse homem
que chorámos era mesmo meu pai?
Maria do Rosário Pedreira
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