domingo, 14 de julho de 2019

"Naus sem rumo" - Poema de Amílcar Cabral


A Maravilhosa Viagem dos Exploradores Portugueses de Castro Soromenho, 1946


Castro Soromenho é o autor da etnografia 'A Maravilhosa Viagem dos Exploradores Portugueses' (1946). O livro é, ao mesmo tempo, uma tentativa de exposição etnográfica das extensas áreas percorridas por exploradores portugueses e uma evocação histórica dos feitos desses mesmos exploradores. Tem uma bela abertura: «Homens do povo foram às selvas africanas em busca de tesouros, jogando a vida em lances de heróica aventura. O ventre da terra misteriosa não se abriu em partos de oiro e pedras raras, mas mais forte que a realidade, o mistério africano embalou o seu sonho de riqueza. De jornada em jornada, levaram o pavilhão do seu país ao interior do continente, onde os mais audaciosos beberam nas fontes do Nilo».



Naus sem rumo


Dispersas,
emersas,
sozinhas sobre o Oceano …
Sequiosas,
rochosas,
pedaços do Africano,
do negro continente,
as engeitadas filhas,
nossas ilhas,
navegam tristemente …

Qual naus da antiguidade,
qual naus
do velho Portugal,
aquelas que as entradas
do imenso mar abriram …
As naus
que as nossas descobriram.

Ao vento, à tempestade,
navegam
de Cabo Verde as ilhas,
as filhas
do ingente
e negro continente …

São dez as caravelas
em busca do Infinito …
São dez as caravelas,
sem velas,
em busca do Infinito …
A tempestade e ao vento,
caminham …
navegam mansamente
as ilhas,
as filhas
do negro continente …

- Onde ides naus da Fome,
da Morna,
do Sonho,
e da Desgraça? …

- Onde ides? …

Sem rumo e sem ter fito,
Sozinhas,
dispersas,
emersas,
nós vamos
sonhando,
sofrendo,
em busca do Infinito! …


Amílcar Cabral 

 

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