sexta-feira, 21 de outubro de 2022

"A noite é muito escura" - Poema de Alberto Caeiro



Jean Dubuffet (French, 1901–1985), Façades d’immeubles (Apartment Houses, Paris)July 1946. 
Oil with sand and charcoal on canvas. The Metropolitan Museum of Art.
 


A noite é muito escura 
 
 
É noite. A noite é muito escura. Numa casa a uma grande distância
Brilha a luz duma janela.
Vejo-a, e sinto-me humano dos pés à cabeça.
É curioso que toda a vida do indivíduo que ali mora, e que não sei quem é,
Atrai-me só por essa luz vista de longe.
Sem dúvida que a vida dele é real e ele tem cara, gestos, família e profissão.

Mas agora só me importa a luz da janela dele.
Apesar de a luz estar ali por ele a ter acendido,
A luz é a realidade imediata para mim.
Eu nunca passo para além da realidade imediata.
Para além da realidade imediata não há nada.
Se eu, de onde estou, só veio aquela luz,
Em relação à distância onde estou há só aquela luz.
O homem e a família dele são reais do lado de lá da janela.
Eu estou do lado de cá, a uma grande distância.
A luz apagou-se.
Que me importa que o homem continue a existir? 
 
8-11-1915

Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
(Heterónimo de  Fernando Pessoa)


Jean Dubuffet, Dramatisation, January 12, 1978


Arte Bruta

A expressão Art Brut (Arte Bruta) foi criada pelo pintor francês Jean Dubuffet (1901-1985) em 1947, com o objetivo de caracterizar o trabalho produzido fora do sistema tradicional e profissional da arte (pelo que é também conhecido por Outsider art), que o artista considerava mais autêntico e verdadeiro que o dos artistas eruditos. Desta forma, o conceito de Arte Bruta pretendia englobar produções muito diversificadas realizadas por crianças, por doentes mentais e por criminosos, que apresentavam em comum um carácter espontâneo e imaginativo. Englobava também algumas realizações de carácter público e coletivo, como o graffiti.
Em novembro de 1947, Dubuffet apresentou pela primeira vez ao público a sua coleção de obras de Arte Bruta na galeria René Drouin, em Paris. Em junho do ano seguinte, foi constituída a Companhie de l'Art Brut (Companhia de Arte Bruta) que assumia como função principal a valorização, o incremento e a divulgação destes trabalhos. A esta associação juntam-se vários artistas, críticos de arte ou escritores como André Breton, Jean Paulhan e Michel Tapé.
Mais tarde, em 1967, a coleção de Arte Bruta foi objeto de uma grande mostra organizada pelo Museu de Artes Decorativas de Paris e, em partir de 1976, foi transferida para Lausanne, para o museu de Arte Bruta.
Os Cahiers de l'Art Brut, publicados desde 1964, constituíram o veículo de divulgação de trabalhos teóricos e artísticos de muitos autores, de entre os quais se destacam Joseph Crépin e Augustin Lesage. (Daqui)

 
Jean Dubuffet, Les commentaires, May 24, 1978

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