Peter Ilsted (Danish printmaker and painter, 1861–1933), The Open Door, c. 1910.
Arte Poética
Surdo às palavras dos poetas fáceis.
Cego às imagens e ao mistério inútil.
Troquei as sombras por um sol lavado,
enjoo as cores da beleza fútil.
Poesia é - se a crio - a do real.
(Real o sonho, e sonho o descobri-lo.)
Prefiro este sabor de o tatear
às horas podres gastas a iludi-lo.
Sei pelo esforço o que a magia ignora.
Tenho asas tão leves nos sentidos
como as que nuvens de evasão vagueiam
por espaços só delas pressentidos.
Encontro em cada coisa o que é comum.
Reparto cada instante mais pequeno
da intimidade oculta dos meus gestos.
Sereno escrevo e a vós me dou sereno.
Sois o eco e o som da minha voz.
Amais a claridade e eu sou claro.
Dispo-me inteiro se preciso for
e no que é simples é que busco o raro.
José Augusto Seabra, 'A Vida Toda'. Poemas.
Edição do autor. Porto, 1961.
Edição do autor. Porto, 1961.
A Vida Toda
O primeiro volume de poesia publicado por José Augusto Seabra
reúne composições escritas entre 1955 e 1961, inserindo o autor,
cronologicamente, no contexto da Geração de 50. Dentre as tendências
deste período, a poesia de A Vida Toda distingue-se pela
expressão de uma angústia, de uma solidão e de uma tristeza, que, sendo
individuais, não decorrem do ensimesmamento do indivíduo na sua
subjetividade, refletindo, antes, o contexto mental coletivo de que são
eco; por outras palavras, o título A Vida Toda parece receber
menos o investimento emotivo de um homem particular do que a expressão
do humano ou de um certo humanismo. Ao mesmo tempo, a poesia de A Vida Toda,
preferindo a regularidade métrica e rítmica, e recorrendo a formas
fixas, como o soneto, apresenta o autor como um caso ímpar de
continuidade com a tradição lírica pré-moderna, reescrita, porém, à luz
das aquisições da própria modernidade: "Encontro em cada coisa o que é
comum./ Reparto cada instante mais pequeno/ da intimidade oculta dos
meus gestos./ Sereno escrevo e a vós me dou sereno.// Sois o eco e o som
da minha voz./ Amais a claridade e eu sou claro./ Dispo-me inteiro se
preciso for/ e no que é simples é que busco o raro." ("Arte Poética") (daqui)
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