domingo, 16 de junho de 2024

"Quantas vezes me deixei ficar" - Poema de Victor Oliveira Mateus



Ramon Casas (Catalan artist, 1866–1932), Interior al aire libre (Open Air Interior), 1892.
(Ramon's sister Montserrat and his brother-in-law Eduardo Nieto)
Colección Carmen Thyssen-Bornemisza
, Museo Nacional de Arte de Cataluña
 


 Quantas vezes me deixei ficar...
 
 
Quantas vezes me deixei ficar,
como hoje, de caneta em riste,
sentado a esta mesma mesa
esperando que tu ou o texto viessem...

Quantas vezes, em vão, lançava
o olhar sobre o porto, tentando
adivinhar-te no bojo
de um qualquer barco que divisava

ao longe, como quem investiga
de falhas a mais nítida presença.
E quantas, no meio do tilintar
das chávenas e do bulício do balcão,

as tuas palavras acabavam sempre
por me aquietar. No entanto, sei-me
de sina igual a hoje: o constante medo
de que um dia possas não vir

e que o futuro mais não seja
do que a inquirição dos dias,
onde os versos se firmam
como escolhos à deriva
em simples guardanapos de papel. 
 

Victor Oliveira Mateus
, A Irresistível Voz de Ionatos
Fafe: Editora Labirinto, 2009.



Ramon Casas, Plein Air, c. 1890–91. Óleo sobre lienzo, 51 cm × 66 cm
Museo Nacional de Arte de Cataluña



"A solidão da poesia e do sonho tira-nos da nossa desoladora solidão."

Albert Béguin, "Poesia da Presença" 
 

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