I
Em seu grave rincão, dois jogadores
Regem peças, sem pausa. O tabuleiro
Os prende até a aurora no certeiro
Âmbito em que se odeiam duas cores.
Dentro irradiam mágicos rigores
As formas: torre homérica, ligeiro
Cavalo, audaz rainha, rei guerreiro,
Bispo oblíquo e peões ameaçadores.
Quando os rivais já se tiverem ido,
Quando o tempo os houver já consumido,
Por certo não terá cessado o rito.
O Oriente é a origem dessa guerra
Cujo anfiteatro é hoje toda a terra.
Como o outro, este jogo é infinito.
II
Ténue rei, bispo em viés, encarniçada
Rainha, torre à frente e peão alerta
No branco e negro de uma estrada incerta
Buscam e travam a batalha armada.
Não sabem que da mão predestinada
Do jogador depende o seu destino,
Nem sabem que um rigor adamantino
Sujeita-lhes o arbítrio e a jornada.
Também o jogador é prisioneiro
(Segundo Omar) de um outro tabuleiro
De negras noites e de brancos dias.
Deus move o jogador, e este, a peça.
Que Deus atrás de Deus a trama começa
De pó e tempo e sonho e agonias?
Jorge Luis Borges,
em “Quase Borges: 20 transpoemas e uma entrevista”.
São Paulo: Terracota, 2013.
Traduções de Augusto de Campos.
Traduções de Augusto de Campos.
[Em 'Quase Borges' o poeta Augusto de Campos apresenta 20 traduções de poemas de Jorge Luis Borges 10 deles inéditos e uma entrevista que ele realizou com o poeta Argentino além de algumas fotos inéditas.]
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